Por sete votos a quatro, o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu modificar entendimento anterior e autorizar a execução da pena de um condenado após julgamento em segunda instância — isto é, feito por um colegiado. A segunda instância é composta pelos Tribunais de Justiça, no caso dos Estados, e pelos Tribunais Regionais Federais, no caso da União. Vale dizer: enquanto permanecer esse entendimento, um condenado não poderá mais recorrer em liberdade ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal. Recorrerá, claro, mas preso. Votaram a favor desse entendimento os ministros Teori Zavascki (relator da Lava Jato e do pedido de habeas corpus que ensejou a questão), Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Excluindo Gilmar Mendes, trata-se da tropa de choque jurídica do petismo, da ala bolivariana do Supremo, da turma representativa da corrente do Direito Achado na Rua. Opuseram-se à tese Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, presidente da Corte. A Constituição brasileira tem partes que são consideradas "cláusulas pétreas". São aquelas consideradas inalteráveis, não podem ser modificadas, a não ser por um novo Poder Constituinte, constituído exclusivamente para tal fim. Uma parte da Constituição considerada cláusula pétrea é o Artigo 5º inteiro, em todos os seus incisos. Diz esse artigo: "Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:….. ". Resumindo, diz lá: "Garante-se aos brasileiros a inviolabilidade do direito à liberdade, nos termos…. ". Bem, esse termo em que é garantida a "inviolabilidade do direito à liberdade" remete ao inciso seguinte do Art. 5º: "LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória….". Se essa é uma clausula pétrea, se ela não pode ser mexida, alterada, ela é insuscetível de "interpretações" pela própria Suprema Corte. O entendimento do Art. 5º da Constituição Federal é linear, absolutamente claro, raso, insuscetível de alteração do entendimento dos seus termos por quaisquer interpretações de parte da Corte Constitucional, o Supremo Tribunal Federal. É preciso que seja dado um basta a esse furor legislativo da Corte, que está inventando uma nova Constituição sem votos e sem poder para isso. Mesmo o Poder da Suprema Corte é controlável pelo poder maior, que é o poder do voto dos cidadãos, concedido aos seus representantes. Nunca ninguém deu qualquer poder ao Supremo Tribunal Federal para inventar novas leis, ou novas aplicações de princípios constitucionais invioláveis, com base em entendimentos de meia dúzia de ministros. O que está acontecendo no Brasil é uma aberração mundial, é a institucionalização da ditadura. E o País vê esse filme de terror passar diante de seus olhos sem qualquer reação, inerte, paralisado, dopado. Está aberto o caminho para do Estado de injustiça patrocinado pelo Poder Judiciário. O Brasil já está sob ditadura. Qual é a parte do inciso LVII do Art. 5º que Suas Excelências não entenderam no enunciado: "ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória". O enunciado é imperativo. Se ninguém é culpado até transito em julgado, então não há pena até esse momento. Se não há pena, como então alguém poderá ser penalizado, começando a cumprir uma pena que ainda não se constituiu? Isso é uma contradição irresolvível. Não é preciso ter nenhum cursinho básico de lógica elementar para que qualquer pessoa tenha um bom entendimento disso. Dirão alguns: "Ah, mas isso leva a ninguém nunca cumprir pena, por causa da atuação de advogados criminalistas competentes e das leis condescendentes existentes no Brasil". Isso é verdade, quase uma verdade integral, mas o modo de resolver essa injustiça não é por meio de uma evidente violação da ordem constitucional. Se os brasileiros não estão satisfeitos com seu corpo jurídico, o meio para resolver essa questão é pela convocação de uma assembléia nacional constituinte. Nunca, jamais, pela intervenção de uma corte de iluminados, rasgando a Constituição a qual eles juraram defender. A decisão desta quarta-feira no Supremo Tribunal Federal exibe ao Brasil inteiro, a todos os brasileiros, ao conjunto das nações civilizadas, que aqui se instalou a barbárie jurídica, o fim de todas as garantias, de todos os contratos. Enfim, aqui se perdeu o direito à vida com as suas consequências todas. Aqui, todos os cidadãos são agora escravos de uma elite que se apoderou de todos os poderes, inclusive dos maiores, da vida e da liberdade de seus cidadãos. Desde 2009, o Supremo Tribunal Federal entendia que a pena só começaria a ser cumprida depois do trânsito em julgado. Isso já era um absurdo, porque não havia, e não há, nada a ser interpretado em torno do Inciso LVII do Art. 5º da Constituição Federal, clausula pétrea que não pode ser mexida, alterada, interpretada, nada, porque ela é insuscetível de interpretações, ela é imperativa, rasa, claríssima. Ministros favoráveis à mudança da jurisprudência e em favor da execução provisória da pena ressaltaram que o sistema atual estimula advogados a manejarem recursos protelatórios. Disseram ainda que a demora na execução da pena cria na sociedade o sentimento de impunidade. Durante o julgamento, advogados criminalistas adiantavam que, sem a modulação dos efeitos em razão da mudança de jurisprudência, poderiam ser imediatamente presos milhares de condenados em segunda instância e que aguardam o julgamento de recursos nos tribunais superiores. No governo, o receio é de que não haja vagas nos presídios. Pela decisão do Supremo, a pena começará a ser cumprida após a condenação em primeira instância e da confirmação da sentença em segundo grau. Os recursos especiais ao Superior Tribunal de Justiça e os recursos extraordinários ao Supremo Tribunal Federal não terão efeito suspensivo. Essa era a jurisprudência do Supremo até 2009, quando o tribunal julgou o habeas corpus 84.078. Naquela época, a maioria dos ministros decidiu que a Constituição não autorizava a execução da pena antes do trânsito em julgado do processo. A execução da pena antes do julgamento de todos os recursos violaria o princípio da não culpabilidade, segundo o entendimento do STF há sete anos. Assim votaram os ministros Eros Grau (aposentado), Celso de Mello, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Na época votaram a favor da execução provisória os ministros Menezes Direito (falecido), Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa (aposentado) e Ellen Gracie (aposentada). Com a mudança na composição e a revisão de voto do ministro Gilmar Mendes, a maioria no plenário votou pela reversão da jurisprudência. A ministra Rosa Weber, que não integrava o STF em 2009, ressaltou que a jurisprudência da Corte mudaria em razão da alteração na composição. E votou pela manutenção da jurisprudência recente da Supremo. O ministro Luís Roberto Barroso (sempre ele) argumentou que a presunção de inocência é “quebrada” após condenação em primeira instância e depois confirmada em segunda instância. E acrescentou que a decisão da Corte nesta quinta-feira “restabelece o prestígio” das instâncias ordinárias da Justiça. O ministro Marco Aurélio, que votou no passado contra a execução provisória, manteve sua posição. Em seu voto, o ministro enfatizou que a decisão do Supremo “esvazia o modelo garantista decorrente da Carta de 1988”. O ministro Celso de Mello também manteve seu voto no sentido contrário à execução da pena antes do trânsito em julgado. O decano do STF afirmou que a reversão do entendimento leva à “esterilização de uma das principais conquistas do cidadão: de jamais ser tratado pelo poder público como se culpado fosse”. E contestou, em seu voto, a existência de “repulsa” por parte da sociedade à presunção de inocência. Completou que a presunção não se “esvazia progressivamente” conforme o julgamento dos processos pelas diferentes instâncias. O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, também votou contra a possibilidade da execução provisória e disse que lhe causava “estranheza” a decisão da Corte. Lewandowski lembrou que a decisão do tribunal agora agravará a crise no sistema carcerário brasileiro. Advogados criminalistas presentes na sessão do STF fizeram um alerta: “a tese que está sendo firmada pelo STF levará à prisão milhares de condenados. É necessário ter modulação nessa questão”, afirmaram. Acrescentam que falta um sistema prisional que dê conta da demanda. Fontes que atuam no sistema prisional também manifestaram preocupação com a aplicação prática da mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal. A alteração trará um “aumento sem precedentes” na população prisional. O Brasil possui um déficit de aproximadamente 231.062 vagas no sistema prisional. De acordo com o último levantamento nacional de informações penitenciárias (Infopen), em 2014 o Brasil tinha 607.731 presos para 376.669 vagas em presídios. Essa decisão do Supremo encerra um violenta ataque também à liberdade de imprensa e de informação, escondida em seu bojo. Por suposição, jornalistas poderão ser facilmente condenados e rapidamente encaminhados ao presídio. Basta que critiquem um juiz de Direito e sejam condenados em primeiro grau por um colega meretíssimo que se apressurará em dar sentença a mais grave em um curtíssimo prazo. E a corte estadual ou federal imediata agir na mesma velocidade. Com isso, toda autoridade a partir de agora se aventurará a processar por crime os jornalistas, como meio de calá-los, silenciá-los, por meio da ameaça concreta de encarceramento imediato de parte dos poderes constituídos. Ou seja, essa "nova constituição" é uma ameaça concreta, real, objetiva, às liberdades dos cidadãos, é a instauração da ditadura no Brasil. Todos os votos dados a favor desse bastardo jurídico são infames, mas o mais infame de todos foi o proclamado pelo ministro Gilmar Mendes. Essa é, talvez, a hora mais infame para o Estado Democrático de Direito no Brasil desde 12 de outubro de 1988. VideVersus