Tenho a opinião de que alguns entrevistadores do pré-candidato Lula à presidência da República têm sido, em geral, bem generosos com ele.
Sergio Moro
Escreverei quinzenalmente em O Antagonista, vindo direto das páginas da Crusoé.
Neste primeiro artigo, quero fazer uma contribuição para a imprensa. Tenho acompanhado algumas entrevistas no ano de 2022 e tenho a opinião de que, com todo o respeito aos jornalistas, alguns entrevistadores do pré-candidato Lula à presidência da República têm sido, em geral, bem generosos com ele.
Não quero parecer pretencioso, mas tenho alguma experiência em entrevistar o Lula, já que tomei seu depoimento por duas vezes na Operação Lava Jato, uma delas em uma audiência, em 10 de maio de 2017, de quase cinco horas. Sinto-me, assim, à vontade para dar algumas sugestões.
A primeira delas é fazer a lição de casa. É preciso estudar bem os fatos e os casos. Levei tempo para me preparar para os interrogatórios de Lula. Só conhecendo bem o processo, um bom juiz prepara o interrogatório. O mesmo vale para entrevistas pela imprensa e tenho certeza de que os bons jornalistas já fazem isso.
Uma constatação necessária é que é que Lula não se livra do passado afirmando que foi absolvido pelo Supremo das acusações de corrupção. Ninguém o inocentou. No provável maior erro judiciário da história do Brasil, um caso Dreyfus ao contrário, parte do Supremo anulou as condenações por motivos meramente formais. Lula teria sido vítima de uma “perseguição judicial” que, sabemos, nunca existiu, ou teria sido julgado no tribunal errado. O Supremo, três anos depois de autorizar a prisão de Lula para cumprir a pena, desautorizou sua própria decisão. Ainda assim, o STF jamais disse que Lula era inocente, que as provas teriam sido fraudadas ou que a corrupção na Petrobras não teria acontecido. O Supremo não entrou no mérito da acusação. Esse ponto é relevante, porque Lula já deixou claro que a estratégia é evitar as perguntas sobre corrupção, alegando falsamente que o STF decidiu que ele seria inocente. É importante que o entrevistador confronte o candidato à Presidência com a verdade e que prossiga nas perguntas, pois as pessoas têm direito a obter esclarecimentos sobre as graves suspeitas de corrupção e que pairam sobre Lula.
Há um vasto repertório de perguntas que podem ser dirigidas ao ex-presidente, propiciando-lhe a oportunidade de esclarecer os casos de corrupção dentro do seu governo, tanto do mensalão, como do petrolão. Não é algo trivial que os dois maiores casos de corrupção da história do Brasil tenham ocorrido durante o governo Lula. O petrolão, aliás, teve até alcance internacional, pois há revelações de um modelo de negócios baseado na corrupção e que foi exportado para países aliados.
Uma pergunta óbvia é se todos esses crimes de corrupção que estavam vinculados ao empoderamento político do governo do PT poderiam ter ocorrido sem qualquer conhecimento do ex-presidente. O mensalão, segundo o STF, foi um esquema de suborno de parlamentares para obtenção de apoio de projetos do governo Lula. O petrolão era, em síntese, loteamento político das estatais, especialmente a Petrobras, para arrecadar subornos de empreiteiras e, dessa forma, alimentar o patrimônio de políticos e partidos desonestos em favor da aliança política capitaneada pelo governo Lula. O mensalão foi descoberto mais cedo, mas o petrolão, com diretores da Petrobras nomeados por Lula, durou todo o tempo dos dois mandatos dele.
Outras perguntas podem ser feitas especificamente sobre o triplex e sobre o sítio de Atibaia:
– Por que tantas propriedades em nomes de terceiros eram utilizadas por Lula?
– Por que o sítio frequentado por Lula e repleto de pertences pessoais dele foi reformado por empreiteiras envolvidas no petrolão sem qualquer pagamento pelos serviços?
– Por que executivos da OAS afirmam que o triplex estava destinado a Lula, mesmo quando os pagamentos pelo imóvel haviam sido interrompidos anos antes?
– Por que a empreiteira fez reformas personalizadas no triplex para Lula se o imóvel não era dele?
Muitas outras perguntas podem ser feitas, como por exemplo, sobre o superfaturamento de diversas obras durante o governo Lula, como a Refinaria Abreu e Lima, cujo custo chegou a 20 bilhões de dólares; sobre a conta corrente de 200 milhões de reais em suborno e caixa dois que a Odebrecht afirmou ter colocado à disposição da presidência da República durante o governo do PT; sobre a confissão de pelo menos dois de seus marqueteiros, Duda Mendonça e João Santana, que admitiram ter recebido pagamentos de caixas dois ou de corrupção para as campanhas eleitorais de Lula; sobre os fundos de pensão que sofreram rombos bilionários por conta da corrupção cujos prejuízos foram transferidos aos pensionistas, como no caso dos agentes dos Correios e da Petrobras.
Fora das questões sobre corrupção e ilicitudes, podem também ser feitas perguntas sobre economia. Como o ex-presidente explicaria a maior resseção econômica da história do Brasil gerada pelo governo do PT, em 2015 e 2016? Se as sementes da recessão não teriam sido plantadas no segundo mandato do governo Lula, pelo mesmo ministro que passou a conduzir a política econômica depois? Qual é o futuro que o novo projeto do governo do PT oferece ao Brasil, ao redobrar a aposta nas mesmas políticas equivocadas, inclusive tendo como porta-voz o ministro que comandou o desastre econômico que levou à resseção de 2015-2016?
Se corrupção ou economia não forem suficientes, podem ser feitas outras perguntas necessárias, por exemplo, sobre as aspirações do ex-presidente de controlar a imprensa, cercear a independência do Judiciário e do Ministério Público, mudar os currículos das Forças Armadas, bem como sua visão sobre os regimes autoritários de Cuba ou da Nicarágua. Não são apenas jornalistas alemães que podem fazer essa última pergunta.
São apenas algumas sugestões pontuais formuladas com humildade, para aprofundar o debate em 2022. Elas não são úteis para vários jornalistas para os quais Lula se recusa a conceder entrevistas, porque não seriam condescendentes com ele. Seriam duros, mas corretos. A lista é grande, começa com o exemplo óbvio de Pedro Bial, inclui certamente Diogo Mainardi e todo mundo de O Antagonista e da Crusoé, provavelmente passa por muitos de O Globo, do Estadão e de boa parte da grande imprensa. Aproveito para reafirmar a minha defesa da liberdade de expressão e elogiar a imprensa que tanto vem contribuindo, na história do Brasil, para desvendar crimes e expor esquemas de corrupção. Tenho certeza de que essa mesma imprensa não vai deixar de cumprir o seu papel de relembrar os fatos que assombraram o país durante o governo do PT.
O Antagonista