O Rio Grande do Sul enfrenta um caminho de muito barro, pedra e solavancos para levar o desenvolvimento ao interior do Estado. A falta de pavimentação de estradas vicinais e secundárias, especialmente nas zonas rurais, é um problema com muitas encruzilhadas e prejuízos – econômicos, sociais, educacional, de saúde e de segurança pública.
Além de afetar significativamente o transporte da produção agrícola, estradas de chão atrasam o desenvolvimento de pequenos municípios, dificultam o resgate de doentes por ambulâncias, prejudicam o deslocamento de viaturas policiais e massacram estudantes que diariamente enfrentam solavancos e buracos para chegar até a escola.
De um total de 10,6 mil quilômetros de rodovias, o território gaúcho amarga cerca de 3,5 mil quilômetros de estradas de chão. De acordo com o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), dos três Estados da Região Sul, hoje apenas o Rio Grande do Sul tem municípios que não contam com nenhum acesso asfáltico para quem chega na cidade.
Enquanto Santa Catarina e Paraná já fizeram o dever de casa, a baixa qualidade logística gaúcha é fruto da grande necessidade que o Estado tem, há anos, de investimento em infraestrutura rodoviária. É fato que praticamente todos os governantes do Estado, nos últimos anos, falaram em pavimentar rodovias, duplicar estradas e melhorar as condições no interior do Estado com acessos regionais. Os avanços foram, porém, muito menores do que as promessas e ações efetivas.
“Depois de pavimentado o acesso a uma cidade, é notória a diferença de crescimento que o município tem, inclusive com redução do êxodo rural. Muitas cidades acabam tendo sua população reduzida ou estagnada em função da dificuldade de acesso”, diz o diretor-geral do Daer, Luciano Faustino.
Em crise há mais de uma década, o Rio Grande do Sul tem apostado fundamentalmente na concessão de rodovias para que empresas privadas façam os investimentos – e explorem os lucros com o tráfego de veículos. Mas ficam de fora do interesse comercial e dos recursos públicos as estradas secundárias e vicinais com fluxo reduzido.
“Para ter atratividade para a iniciativa privada tem que ser um negócio que gere receita, ou seja, uma rodovia com tráfego alto. Na rodovia não pavimentada, pela condição dela, o fluxo é baixo, então necessitaria de uma tarifa elevada ou aporte do governo na pavimentação, e aí não faria sentido a concessão”, analisa Faustino.
Estado tem trechos de até 124 quilômetros sem nenhum asfalto
RS-473, que faz a ligação entre os municípios de Bagé e São Gabriel, representa um dos maiores trechos em chão batido do interior
/ANDERSON RIBEIRO/ARQUIVO PESSOAL
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Thiago Copetti
No Rio Grande do Sul, 50 municípios ainda precisam ter suas estradas de acesso pavimentadas. Desse total, 11 vias estão com obras em andamento, e para as demais cidades não há fonte de recursos que permita fazer uma projeção de quando o asfalto chegará até elas. No curto prazo, como as finanças do Estado em crise, não há muitas outras alternativas no horizonte.
E nas ligações entre cidades do Interior, há muitos e longos trechos longos de chão. “Acredito que as duas maiores sejam a RS-473, que vai de Bagé e até São Gabriel, com 124 quilômetros, e a RS-176, que liga Manoel Viana com a RS- 285, próximo de São Borja, com um trecho de 123 quilômetros de estada de chão”, diz o diretor-geral do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), Luciano Faustino.
Neste cenário, um financiamento externo para resolver o problema das estradas de chão ganha importância, mas o governo gaúcho enfrenta limitações. O diretor-geral do Daer cita, por exemplo, que há linhas como do BNDES, do Banco Mundial e da Comissão Andina de Fomento para projetos na área de pavimentação de rodovias. Mas, para isso o Estado precisaria resolver entraves legais, como a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal da União, avalista em financiamentos externos.
“É necessário avançar na renegociação da dívida com a União para poder abrir espaço fiscal e poder contrair um empréstimo internacional para poder pavimentar mais rodovias”, diz Faustino. O último recurso internacional firmado com este fim, de acordo com o engenheiro, ingressou na administração do governador José Ivo Sartori (2015-2018), com o Contrato de Restauração e Manutenção de Rodovias (Crema), provenientes do Banco Mundial (Bird) e acordado no governo anterior, de Tarso Genro (2011-2014).
Com essa dificuldade para obter empréstimos que vigora desde então, são muitos os quilômetros sem pavimentação. E não são pequenos os trechos que dificultarem a vida dos moradores do Interior do Estado.
O diretor-geral do Daer lista cidades em que foi possível melhor os acessos nos dois último anos, como Guabiju, Caraá, Santo Antônio do Palma e São José do Hortêncio, Boqueirão do Leão, Carlos Gomes e Muliterno – estes dois últimos no final de 2020. Até o final do ano, a perspectiva é ainda levar o asfalto até, Sertão Santana e Sério. Para o engenheiro, mesmo com toda a dificuldade que o Estado se conseguiu avançar em na questão.
Como é feita a manutenção de rodovias no Estado
- O Daer, por meio de 17 superintendências regionais no Interior, vai a campo com equipe, patrolas e caminhões e conta com material adquirido pelos municípios, como nos casos de cascalhamento da rodovia.
- O Estado também faz a manutenção dos 4 mil quilômetros de rodovias não pavimentadas com contratos terceirizados, o que depende de recursos orçamentários e empenho dos valores para gerar uma ordem de serviço de acordo com uma programação estabelecida pelo engenheiro da superintendência regional.
- Uma rodovia não pavimentada demanda diversos reparos ao longo do ano, com roçadas entre duas e três vezes no ano. E quando há chuva com volume considerável em estrada de chão, o ideal é fazer o patrolamento depois – o que também normalmente deveria ocorrer entre duas e três vezes ao ano.
- No caso de uma rodovia pavimentada, a frequência é reduzida e normalmente exige roçagem, limpeza de drenagem e um ou outro reparo anual. Mas a qualidade do pavimento e o tempo de uso trazem grandes variáveis no custo, que pode ser de
R$ 100 mil por quilômetro em uma estrada nova a até
R$ 700 mil nas mais degradadas. - O seja, o custo de manutenção de uma rodovia não pavimentada acaba sendo bem menor em relação a uma asfaltada. E o custo médio para quilômetro de pavimentação fica em torno de
R$ 1,5 milhão por quilômetro.
FONTE: DAER
Uruguaiana cria fundo para recuperar estradas com o ITR
Impostos pagos pelos produtores rurais são destinados para promover obras de melhorias nas vias
/FUNDESTRADAS/DIVULGAÇÃO/JC
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Entre 2015 e 2016, com a maior parte das estradas secundárias em situação precária e sem manutenção, a Associação dos Arrozeiros de Uruguaiana e o Sindicato Rural da cidade encontraram uma solução inovadora para resolver a situação.
Como todo o produtor paga o Imposto Territorial Rural (IPR) e que a prefeitura mantinha um convênio com a Receita Federal para poder fazer retonar ao município o IPR, e o valor estava indo pro Caixa Único, de acordo com o presidente da associação, Roberto Fagundes Ghigino, se começou a trabalhar a ideia de como usar o recurso para fazer melhorias em estradas. E assim amenizar os prejuízos que as vias de chão batido e esburacadas traziam ao setor.
Depois de iniciarem conversam com o prefeito da época, que não abraçou a ideia, relembra Ghigino, se buscou o apoio Câmara de Vereadores. Foi feita, então, uma audiência pública para tratar do tema – e um grande ato reunindo tratores e caminhões na frente do legislativo municipal.
“Mostramos a necessidade e os benefícios que esse imposto traria ao setor primário e não só ao agronegócio, mas também às pessoas que moram e trabalham no interior, assim como estudantes, e o custo que isso representava o frete e logística em geral, com manutenção de veículos e os custos ao produtor”, conta o presidente de associação dos arrozeiros de Uruguaiana.
Com a 20016, com a pressão sobre o poder público, avalia Ghigino se começou a montar uma lei para destinar o recurso do IPR para as estradas secundárias. Em 2017, então, se criou o Fundo Municipal das Estradas (Fundestradas). Hoje, o conselho gestor reúne associação dos arrozeiros, o sindicato rural, Emater, Irga, Fetag e dois órgãos da prefeitura (a Secretaria de Obras e Secretaria da Fazenda).
“A diversidade do conselho é importante para evitar finalidades políticas e ideológicas. O fundo define quais estradas serão feitas, ajuda a fiscalizar, recebe as reclamações dos produtores, onde é necessário e se a obra foi ou não bem-feita, já que o produtor é o fiscal dessas obras, pois está sempre andando por elas”, explica Ghigino, que atualmente preside o Fundestradas.
A opção foi ter o trabalho terceirizado, para não ficar com máquinas se deteriorando em um galpão e não engessar as atividades. Hoje, quatro equipes de trabalho fazem obras e manutenções. E trabalho não falta, assegura o produtor: em Uruguaiana são cerca de 1,3 quilômetros de estradas na área rural. Destas, graças ao fundo, quase 1 mil foram recuperadas desde 2018.
“Produtores de diferentes cidades têm nos procurado pra criar esse fundo em seus municípios, como de Camaquã, Dom Pedrito, Bagé e Vicente do Sul”, cita o presidente do Fundestradas.
Com custos menores ao produtor, complementa Ghigino, há geração extra receita e riqueza para o município como um todo. Isso graças a redução do frete para transporte da produção, que dependendo da distancia, condições da estrada e da localidade.
“Em muitas localidades não se conseguia que o caminhão fosse por preço nenhum e em outras se tinha que pagar até 30% a mais do valor de mercado”, destaca o presidente do Fundestradas.
Como funciona o Fundestradas
- O fundo administra quase 60% do valor líquido do ITR que retorna para o município, já que é necessário descontar as parcelas obrigatórias para educação e da saúde.
- Em 2019, de acordo com Ghigino, isso se refletiu em cerca de R$ 2 milhões para ao menos amenizar o drama logístico de quem vive na zona rural da cidade.
- Ao mostrar o que o setor primário traz para município, a riqueza que gera e o que se perde com estradas esburacadas e de chão sem manutenção os agricultores de Uruguaiana conseguiram aumentar em quase 10 vezes os recursos para isso.
- Antes, orçamento da prefeitura a verba para obras em estradas era de apenas cerca de R$ 200 mil.
Fonte: Fundestradas
Fazer parcerias é um das opções emergenciais
Na busca por acelerar as melhorias, de acordo com o Daer, a solução tem sido fazer parcerias com os municípios, em um Termo de Cooperação Técnica em que o Daer autoriza a prefeitura a trabalhar em um trecho de rodovia estadual. O Daer entra com o patrolamento e com a compactação material, e a prefeitura cede esse cascalho e transporta até a rodovia.
O Estado também começou a trabalhar recentemente com o Programa de Incentivo ao Acesso Asfáltico (Piaa), que consiste basicamente em permitir que empresas privadas possam utilizar créditos de ICMS, de até 5% do total devido, para pavimentar trechos de rodovias e construir rotatórias e depois se ressarcem abatendo do imposto que pagam ao estado. Em análise já estão seis propostas de empresas dispostas a investir um total de R$ 12 milhões em estradas.
“A ideia um recurso privado que iria para o caixa do Estado e que acaba ficando como investimento na região onde a empresa está inserida”, explica o diretor-geral do Daer, Luciano Faustino.
Daer enfrenta capacidade reduzida para operar
Luciano Faustino diretor-geral do DAER crédito Júlio Cunha Neto Ascom Selt
JÚLIO CUNHA NETO/ASCOM SELT/DIVULGAÇÃO/JC
JÚLIO CUNHA NETO/ASCOM SELT/DIVULGAÇÃO/JC
Como parte da manutenção das estradas gaúchas depende diretamente da capacidade operacional de cada uma das 17 superintendências regionais do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), em que muitos funcionários foram se aposentando ao longo do tempo, em muitas delas o trabalho fica bastante reduzido.
É o caso de Bagé, por exemplo, com área grande e muitas rodovias não pavimentadas, diz o diretor-geral do Daer, Luciano Faustino. “É a superintendência regional com o maior número de quilômetros de estradas de chão. Já uma das mais ativas nos serviços feitos pelo próprio Daer é Santiago, onde há seis patrolas funcionando, além do contrato terceirizado, uma boa equipe e equipamentos de administração direta”, pondera Faustino.
A tendência, acrescenta o executivo, é cada vez mais diminuir a administração direta e focar mais a ação em contratos terceirizados, acrescenta o engenheiro. O custo médio de manutenção depende do que o Daer chama Distância Média de Transporte, que muda conforme local para onde se terá de transportar o cascalho, principalmente, mas gira hoje em torno de R$ 40 mil reais por quilômetro, de acordo com o órgão.
Demandas de mais de 40 anos e mobilização nas redes sociais
Marli Fernandes, produtora rural de Lavras do Sul, município entre São Gabriel e Bagé, uma das muitas penalizadas pela longa via de chão batido, que vira barro quando chove. Lavras do Sul é dependente da RS-473 para movimentar boa parte de sua riqueza. Reconhecida pela forte pecuária e muitos remates, a cidade perde compradores devido ao acesso precário, diz Marli, e arca com custos de transporte elevados.
“Muitas vezes nem se consegue quem faça o transporte dos animais até a propriedade. Quem faz cobra até 50% a mais pelo frete. Melhorar a estrada é um pleito de mais de 40 anos, sem sucesso”, lamenta a pecuarista.
Já desiludidos com promessas estaduais de pavimentar a estrada, diz Marli, os moradores tentam uma solução via Brasília. Mobilizados, buscam angariar apoio entre deputados federais e senadores gaúchos para incluir a estrada em projetos federais em 2021.
“Um ex-deputado e ex-secretário de Estado, há mais de dez anos, disse que trocava o nome se a estrada não fosse pavimentada em seu governo. De lá para cá, nem um quilômetro foi feito. Só pirou a situação. Tem crateras na estrada e quando chove é um atoleiro”, relata Marli.
Os moradores de cidades afetadas pelo descaso já perderam a conta dos protestos feitos, mas mantém a luta nas redes sociais. No Facebook, por exemplo, há páginas específicas de reivindicação por melhorias na RS-473 e também da RS-514, por exemplo, que liga Ajuricaba a Palmeira das Missões.
O acesso municipal mais longo não pavimentado, acrescenta o representante do Daer, é Garruchos, com cerca de 60 quilômetros. Assim, a “solução” tem sido fazer o cascalhamento na rodovia para amenizar um pouco precária condição de trafegabilidade.
“E como é o único acesso ao município, a manutenção precisa ser periódica, porque pavimentação a gente sabe que vai demorar um tempo para chegar em Garruchos”, admite Faustino.
Para o ex-secretário da Agricultura e atual presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Ernani Polo, uma das soluções passa por adotar mais parcerias entre os poderes estaduais e municipais e até mesmo empresas e produtores rurais. Polo sugere, por exemplo, que o governo amplie o número de horas/máquinas do Daer cedidas às prefeituras para que possam recuperar alguns trechos.
“Os municípios, que fazem o que podem, mas há muitas estradas estaduais e que precisam de acesso asfáltico, como a RS-514, por exemplo, que une grandes regiões produtoras de grãos. Estamos tentando uma parceria entre os municípios da região, Estado e produtores para solucionar o problema”, relata Polo.
Thiago Cometti
JC
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