O cortejo dos presidenciáveis a banqueiros, investidores e empresários começou. De olho em apoios, pré-candidatos à Presidência nas eleições de 2022 buscam e mantêm contatos com atores expressivos do mercado financeiro e do setor produtivo (agronegócio, indústria, comércio e serviços). Mas o empresariado e o setor financeiro ainda estão longe de definir qual será o seu candidato – se é que darão apoio de forma pública.
Parte dos segmentos econômicos diz estar decepcionada com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). E isso abre margem para que outros presidenciáveis busquem apoios. Com sondagens a esses atores dos setores produtivo e financeiro e acenos a economistas liberais, candidatos da esquerda e do centro buscam construir uma identidade eleitoral capaz de ter o apoio do “mercado”.
O ex-juiz Sérgio Moro é um dos exemplos de pré-candidatos dispostos a sondar os mercados em busca de apoios. Tão logo se filie ao Podemos, em 10 de novembro, ele vai buscar reuniões com representantes do agronegócio e do setor financeiro.
Outros candidatos de centro também estão fazendo o mesmo: os governadores João Doria (PSDB-SP), Eduardo Leite (PSDB-RS) e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). No caso, de Pacheco, essa aproximação estaria sendo feita pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab.
Doria, Leite, Pacheco e Lula sondaram empresários do varejo e de serviços. A aproximação se dá por gestos como participações em eventos, almoços, jantares ou mesmo ligações feitas, principalmente, por interlocutores ou autoridades que, em grande maioria, são amigos e aliados pessoais dos pré-candidatos.
Já à esquerda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) têm feito contatos com agentes do mercado ao sondar economistas liberais para suas campanhas. A avaliação é de que eles pretendem passar a imagem de que não serão uma ameaça aos setores produtivo e financeiro, mais refratários às políticas de esquerda.
Lula mantém conversas com o economista Marcos Lisboa, diretor-presidente do Insper, e Ciro incluiu em sua equipe o economista Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Como um empresário “ajuda” um candidato
De maneira geral, um candidato pode obter apoio empresários, banqueiros e investidores de duas formas: direto, por meio da doação de recursos para financiamento de campanha e aproximação de seu círculo social; ou indireto, através da neutralidade.
No caso da doação, ela tem de ser feita no período eleitoral e como pessoa física, pois empresas (pessoas jurídicas) não podem financiar candidatos. Nas eleições de 2018, por exemplo, doadores individuais repassaram R$ 106 milhões para 35 partidos políticos.
Em anos pré-eleitorais – e sobretudo a partir dos 12 meses que antecedem as eleições – é comum empresários organizarem jantares a pré-candidatos a fim de apresentá-los a amigos dos mercados e potenciais apoiadores e investidores.
O apoio indireto também não é incomum. “Muitos nos procuram mais no sentido de neutralizar os adversários e se certificar de nossa neutralidade do que em ter um aliado”, explica um empresário que preside uma entidade do setor de serviços. “Empresários não têm força para ‘ganhar’ uma eleição, mas eles podem atrapalhar alguém de ganhar. E os candidatos sabem disso.”
Qual a preferência do setor produtivo e do mercado
Tanto nos setores produtivos e no financeiro, empresários e investidores costumam ser atores muito pragmáticos no que se refere ao período eleitoral. Por esse motivo, à exceção dos que já têm algum candidato em mente, a tendência é que a maioria irá sondar o cenário político antes de “fechar” o apoio a alguém.
“Tem uma parte do empresariado que é bolsonarista. Tem uma parte que gostaria de uma terceira via. E tem uma outra parte, embora menor, que é lulista. Mas a maioria é muito pragmática e vai conversar com todo mundo antes de decidir quem apoiar”, afirma um empresário do setor varejista.
Quatro fontes do setor produtivo ouvidas pela reportagem dizem que a maioria dos empresários interessados em apoiar algum candidato mantém um apreço significativo por um candidato da terceira via. Entretanto, eles avaliam que é remota a chance de surgir um candidato de centro com força capaz de romper a polarização entre Jair Bolsonaro e Lula.
“O empresariado apostou muito no Bolsonaro e uma parcela grande se frustrou. Agora, muitos querem uma terceira via. Mas é muito difícil de ter uma [candidatura] viável”, diz uma das fontes.
No setor financeiro, a avaliação não é muito diferente. Existe o interesse por uma terceira via, mas o mercado vai sondar os candidatos antes de firmar apoio a alguém ou mesmo materializar o desejo por uma candidatura de centro. “O mercado vai se adaptar à realidade viável e a um futuro que, bom ou ruim, ele consiga saber como navegar e se planejar”, diz um interlocutor de grandes investidores.
Já um empresário do agronegócio diz que a grande maioria se mantém fiel a Bolsonaro.
Por que empresários e o mercado tratam a terceira via como improvável
Apesar do apreço existente por uma terceira via nas eleições de 2022, a pulverização de candidaturas é a principal entrave para que os agentes dos mercados vejam uma alternativa a Bolsonaro e Lula como viável. “A terceira via vai ficar tão diluída que vai fazer com que dificilmente algum candidato tenha uns 20% [dos votos]”, diz um empresário que preside uma entidade da indústria. “O Brasil vive a apoteose desses extremismos de esquerda e direita. Penso que a polarização se repetirá no segundo turno.”
Um empresário do setor de serviços entende que somente com a união de um centro absoluto a terceira via teria chances de romper a polarização e chegar ao segundo turno contra Bolsonaro ou Lula.
“A terceira via não precisa de voto; precisa de união. Tem uma parcela grande da população que a deseja. Mas calculo que Lula e Bolsonaro somarão em torno de 55% dos votos. Com os 15% históricos de brancos e nulos, sobram 30% em disputa. E não há ninguém capaz de aglutinar isso no centro”, diz a fonte.
Os empresários ouvidos pela reportagem afirmam que, no círculo empresarial, Eduardo Leite e Rodrigo Pacheco são os candidatos mais bem avaliados. Embora tenha o apoio de alguma parcela do empresariado, Moro ainda não convence a maioria.
“O Moro é candidato ao Senado ou a vice em alguma chapa. Ele não tem condições de liderar a terceira via”, avalia um empresário do varejo. “O maior mal de Moro foi a arrogância. Mas o principal de tudo, que nos diz respeito, é que ele ‘matou’ empresas. Ele não se satisfez apenas em criar um contraponto para toda a parte de corrupção e mazelas. Mas ele ‘matou’ empresas. Em lugar nenhum do mundo isso aconteceu”, diz um empresário da indústria em referência aos impactos da Operação Lava Jato sobre a economia.
A avaliação dos setores produtivos e financeiro de que a terceira via pode não se viabilizar pode comprometer o apoio a uma candidatura de centro. O cálculo feito pelo empresariado pragmático: um passo eleitoral “em falso” pode causar algum tipo de obstáculo na aproximação com um futuro governo, seja de Lula ou Bolsonaro. Por esse motivo empresários ligados a entidades representativas de seus setores evitam manifestar apoio sob o risco de comprometer uma futura relação institucional com o governo.
E Bolsonaro? Em quais setores econômicos ele pode perder apoio
Dentro dos setores produtivos, o agronegócio é o que Bolsonaro tem menos riscos de ver seu apoio ameaçado nas eleições de 2022. Já em outros segmentos, além do setor financeiro, o apoio não é mais tão sólido como nas eleições de 2018 – sobretudo no segundo turno, quando a grande maioria dos mercados decidiu apoiá-lo.
A avaliação feita na indústria é de que o setor está dividido. Parte tem apreço por uma terceira via e outra parcela gosta da ideia de uma política keynesiana nacional-desenvolvimentista apoiada pela esquerda.
O deputado federal Newton Cardoso Jr. (MDB-MG), presidente da Frente Parlamentar Mista Nacional da Indústria (FPI), avalia que o apoio para qualquer candidatura vai depender do desempenho da economia e das defesas a bandeiras do setor.
“A indústria vai, como sempre, se portar em defesa de pautas importantes, como redução da tributação sobre importação e proteção de certos segmentos que precisam de apoio por conta de ambientes internacionais. É preciso aprovar uma reforma tributária e criarmos condições de geração de empregos”, diz o parlamentar.
O ambiente no setor de serviços não é diferente. Após quase três anos de governo, a avaliação feita por empresários é de que a gestão Bolsonaro não transmitiu previsibilidade. “Bolsonaro termina desconstituindo muita coisa boa por conta de toda sua imprevisibilidade, que não está só no jeito e estilo de ser, falar ou de pensamento”, diz um empresário.
No agronegócio, embora Bolsonaro tenha um apoio mais solidificado, o presidente pode correr o risco de perder alguma parcela de apoio para uma candidatura de terceira via, analisa o deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), ex-presidente da Comissão de Agricultura da Câmara.
“O agro, lógico, vai ficar fechado com Bolsonaro até próximo das eleições porque o governo foi muito bom para o setor. Mas o agro é igual ao Centrão: vai até onde lhe é conveniente. Se o Bolsonaro definhar, o agro não vai abraçar só uma candidatura. Vamos lembrar que a própria Tereza [Cristina, ministra da Agricultura] aderiu ao Bolsonaro aos ’45 do segundo tempo’ [nas eleições de 2018]. Até então, ela apoiava o Geraldo Alckmin [candidato do PSDB”, diz Pinato.
Já no setor financeiro, o clima é de temeridade em relação ao futuro do governo Bolsonaro. Investidores do “mercado” estão apreensivos porque sentem que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está isolado e entendem que isso possa gerar um rompimento entre a gestão e uma política econômica liberal.
“O mercado está com medo. A gente tem um panorama que não está desenhado. Todos estão dando sinalizações para tentar conquistar os investidores. Até o Lula; está sondando o Marcos Lisboa – e não são conversas triviais. O temor é que de que o Bolsonaro seja o único a não fazer isso, jogar o Guedes fora e não trazer alguém do nível para o lugar”, explica um interlocutor próximo de investidores.
Gazeta do Povo