Câmara aprovou em regime de urgência texto que tramita há 20 anos no Congresso e revoga a lei de 1989. Ambientalistas o chamam de “PL do veneno”. Para ruralistas, vai havr mais transparência na aprovação dos prrodutos.
A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (10), em regime de urgência, o texto que tramitava há 20 anos no Congresso e que revoga a lei dos agrotóxicos, de 1989. O projeto, que deverá seguir para análise no Senado, muda as regras de aprovação e comercialização de agrotóxicos.
Polêmica
O texto é alvo de críticas de ambientalistas e organizações ligadas à saúde, que acreditam que as mudanças podem trazer riscos à saúde e ao meio ambiente— daí o apelido de “PL do veneno” ou “pacote do veneno”.
Para o agronegócio, a nova lei modernizaria e daria mais transparência ao processo de aprovação das substâncias, que é considerado demorado e caro pelo setor. Os ruralistas chamam o PL de “lei do alimento mais seguro”.
Câmara aprova texto-base do projeto que flexibiliza controle dos agrotóxicos
A advogada da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) Naiara Bittencourt elaborou um documento apontando os principais pontos críticos do texto, em relação à lei vigente.
Questões como a centralização de registros de agrotóxicos no Ministério da Agricultura e a proibição somente em caso de “risco inaceitável” estão entre os itens mais rechaçados pelos que são contra a proposta defendida pela bancada ruralista.
Veja as principais mudanças aprovadas pela Câmara:
1) Menos poder para Anvisa e Ibama
Pela última versão do parecer, aprovada em 2018 em uma comissão especial sobre o tema na Câmara, o registro de agrotóxicos seria unificado sob o comando do Ministério da Agricultura.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) vão avaliar o produto, mas a decisão final será do ministério.
Este é um dos pontos mais rechaçados pelos críticos do projeto, por tirar poderes de órgãos da saúde e do meio ambiente. No podcast O Assunto, o agrônomo Luiz Claudio Meirelles, pesquisador da Escola de Saúde Pública da Fiocruz e ex-gerente de toxicologia da Anvisa, classificou a possível mudança como “um desastre”.
Como é hoje: atualmente, a liberação de agrotóxicos é de responsabilidade tanto do Ministério da Agricultura, quanto da Anvisa e do Ibama.
2) Instituição do registro temporário
Produtos que não foram analisados nos prazos previstos no projeto de lei podem ganhar um registro temporário, que seria concedido exclusivamente pelo Ministério da Agricultura.
isso contanto que esses agrotóxicos estejam registrados para culturas similares ou para usos ambientais similares em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que adotem, nos respectivos âmbitos, o Código Internacional de Conduta sobre a Distribuição e Uso de Pesticidas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Essa demanda atende a um pedido da indústria, que critica a demora para a liberação dos agrotóxicos, um processo que pode levar até 8 anos e que é caro e burocrático.
Como é hoje: só existe registro temporário para fins de pesquisa e experimentação. A análise de um produto final, que irá às lojas, pode demorar de 3 a 8 anos.
3) Prazos para análise e punição por demora
O projeto estabelece prazos de até 2 anos para a inclusão e a alteração de registros para o uso do produtor, para pesquisa, exportação, importação e comercialização.
São diferentes prazos, sendo os menores, com 30 dias, o do Registro Especial Temporário e o do conjunto de alterações do art. 28. Os maiores, de 2 anos, são para os registros de produtos formulados e de técnicos.
O PL prevê ainda pena de responsabilidade aos órgãos federais responsáveis pela atividade, se os prazos não forem cumpridos.
Como é hoje: há prazos determinados pelo decreto 4074/2002 que regulamentou a lei em vigor, mas não há punição prevista.
Para determinar os prazos para registro de produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos e afins, há a divisão entre a categoria prioritária e a ordinária.
No primeiro caso, os produtos podem levar de 6 meses a um ano, contando da data da publicação da priorização, para serem avaliados. Já no categoria ordinária, este limite é de 1 a 3 anos.
Em ambos os casos, o período depende do produto que se trata, por exemplo, técnicos, formulados, técnicos equivalentes, etc. A indústria, por sua vez, reclama que há processos que levam até 8 anos para terminar.
4) Mudança do nome para pesticida
O projeto muda o termo agrotóxico, usado na lei atual, para pesticida, como esse tipo de produto é mais conhecido no mundo, e “produtos de controle ambiental”.
Como é hoje: o Brasil é o único que adota uma nomenclatura própria para o produto: agrotóxico. O termo surgiu em 1977, no livro “Pragas, agrotóxicos e a crise ambiente: Problemas e soluções”, escrito pelo pesquisador e PhD em agronomia Adilson Paschoal, do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq/USP.
Em entrevista ao g1, em 2019, ele disse que o nome oficial “cumpre todo o rigor exigido pela ciência e a exatidão terminológica requerida pelo nosso idioma”. E que o termo pesticida significa “o que mata a peste'”, e que “peste é doença, o vocábulo não pode ser usado com sentido geral, englobando pragas, patógenos e plantas invasoras“.
5) Proibição só em caso de ‘risco inaceitável’
O texto coloca que fica proibido o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins que, “nas condições recomendadas de uso, apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente, ou seja, (que) permanecerem inseguros, mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco.
Como é hoje: a lei proíbe a liberação de agrotóxicos nos casos a seguir.
- para os quais o Brasil não disponha de métodos para desativação de seus componentes, de modo a impedir que os seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio ambiente e à saúde pública;
- para os quais não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil;
- que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica;
- que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com procedimentos e experiências atualizadas na comunidade científica;
- que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório, com animais, tenham podido demonstrar, segundo critérios técnicos e científicos atualizados;
- cujas características causem danos ao meio ambiente.
6) Reanálise limitada
O projeto deixa somente a cargo do Ministério da Agricultura a instauração de procedimento de reanálise de um registro, e somente se organizações internacionais alertarem para os riscos de agrotóxicos.
Como é hoje: entidades da sociedade civil legalmente constituídas para defesa dos interesses difusos relacionados à proteção do consumidor, do meio ambiente e dos recursos naturais, partidos políticos e entidades de classe podem requerer o cancelamento do registro de um produto, o qual pode passar por uma reavaliação.
7) Menor participação de estados e municípios
O PL determina que estados, Distrito Federal e municípios podem legislar supletivamente sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, caso estejam “cientificamente fundamentados”.
Como é hoje: é permitido aos estados e o Distrito Federal legislar sobre o tema, além de deverem fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno dos agrotóxicos.
Os municípios podem legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins.
8) Prescrição de receituário antes da praga ocorrer
O projeto autoriza a prescrição de receituário antes da ocorrência da praga e a recomendação de mistura em tanque de agrotóxicos “quando necessário”, ambos sob responsabilidade do engenheiro agrônomo.
Como é hoje: a lei atual não prevê os dois casos.
9) Não aborda propagandas
O projeto não aborda propagandas em nenhum momento.
Como é hoje: as propagandas de agrotóxicos devem ter advertências sobre os riscos do produto à saúde de pessoas, animais e meio ambiente.
A lei afirma ainda que deverá:
- estimular os compradores e usuários a ler atentamente o rótulo ou folheto. E, caso a pessoa não saiba ler, a pedir que alguém os leia;
- não conter nenhuma representação visual de práticas “potencialmente perigosas”, como a manipulação ou aplicação sem equipamento protetor, o uso em proximidade de alimentos ou em presença de crianças.