Produção leiteira. Médico veterinário busca conhecimentos na Califórnia

 

“Na Califórnia, ninguém (tanto trabalhador quanto proprietário) pode ser leiteiro sem passar seis meses numa escola aprendendo sobre leite”.

 

O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, com cerca de 160 milhões de cabeças, sendo que deste efetivo, cerca de 34 milhões são de animais destinados à produção de leite (14, 7 milhões de vacas em lactação e secas), que, por ano, produzem cerca de 19 bilhões de litros. Possuidor da maior área agricultável e do maior reservatório de água doce do mundo, o Brasil possui ainda topografia e condições edafo-climáticas variadas e excelente luminosidade, o que lhe confere condições favoráveis de produzir pasto e forragem conservada, permitindo o aumento do rebanho e de produção de leite de qualidade.

Em recente viagem de estudos à Califórnia, Estados Unidos, o médico veterinário, produtor, projetista, palestrante e empresário do ramo, Jarbas Tadeu Sperotto, de Santo Augusto, conversou com nossa reportagem e fez um relato sobre a viagem, resultados e sobre o atual momento do setor leiteiro local regional.

 

    Inicialmente, adverte que a atividade leiteira está concentrando uma necessidade de aperfeiçoamento na Região. Refere à frustração de alguns produtores e o crescimento de outros, o que entende como normal quando uma atividade começa a crescer.

 

Numa referência à Califórnia, Jarbas diz que lá não tem chuva, o que é uma maravilha para o manejo do rebanho, porém a umidade do solo é fator imprescindível. Para tanto, os americanos pegam água da montanha serrada, a “Serra Nevada”, que começa a derreter o gelo quando inicia o verão, e a água é direcionada à grandes barragens, suprindo, assim, a falta da chuva.

 

Aqui, as próprias empresas, como a Imacol, por exemplo, e outras do setor, cresceram sem aumentar de área, isso porque a intensificação da atividade leiteira está diretamente relacionada à disputa que a soja traz para esse produtor. A Imacol dá assistência técnica e logística hoje nas propriedades leiteiras, com resultados extremamente satisfatórios, chegando a produzir até 30 mil litros por hectare. Isso numa referência a produtores do município de Santo Augusto. Então que esse movimento financeiro em relação à atividade soja é imensamente grande, há conceitos que falam que, para cada 700 litros de leite haja a mesma rotatividade financeira no município que uma propriedade de 300 hectares de soja.

 

 

Nos Estados Unidos, você não precisa botar lagoa, não precisa botar uma lona, separa o esterco sólido do líquido e as lagoas são gigantes. Aqui, não precisa nem começar se não botar o esterco numa lagoa. A Califórnia tem 600 Km de comprimento, o Vale da Califórnia que vai de São Francisco a Los Angeles tem 180 km de largura. Esse vale é o mais produtivo e fértil do mundo, diz Jarbas. Ali propriedades de 2.000 vacas são consideradas pequenas, uma vez que há propriedades maiores, com 6.000 vacas. É exercido um profissionalismo num sistema integrado. E nessa integração estão os pomares, laranja, maçã, uva, pistache e amêndoa. Esse vale é irrigado por uma grande lagoa, uma barragem, direcionando água para a lagoa da propriedade, misturando, às vezes, com o próprio volume dos dejetos que alguma leitaria tem, para fertilizar melhor ainda o vale. É fantástico, são 200, 300 hectares de amêndoas. Comparando, é o mesmo que ir de Santo Augusto ao litoral vendo pomar e vaca, compara.

Uma particularidade importante, é que na Califórnia, ninguém pode ser leiteiro sem passar seis meses numa escola aprendendo sobre leite, tanto o trabalhador quanto o produtor ou dono da propriedade. Isso nos desperta para enxergarmos a necessidade de nos educar, nos preparar antes de iniciar a atividade. Contudo, já tivemos uma evolução e dá para dizer que estamos crescendo muito, tanto que enquanto a Argentina caiu 12% em 2015, o Uruguai 13%, o Brasil 5,5%, o Rio Grande do Sul caiu menos, quase se manteve, comemora Jarbas.

 

Portanto, não importa o tamanho da propriedade no Rio Grande do Sul, porque com escolaridade, com a família querendo ter metas e trabalhando essas metas dentro da propriedade leiteira, ela vai poder viver com quarenta vacas.

 

Com relação à fiscalização, hoje, o Rio Grande do Sul tem o leite mais fiscalizado do Brasil. E muito rapidamente já estaremos em segundo lugar em quantidade, passando por Goiás e São Paulo, e com uma fiscalização em 99%, prevê Sperotto. No tocante à fiscalização, Sperotto lembra que isso graças à imposição da Promotoria Pública gaúcha, na pessoa do Promotor de Justiça Mauro Rockembach, que fez um trabalho exemplar fiscalizando e reprimindo eventuais e comprovadas fraudes.

 

Mas a cadeia produtiva deveria entender melhor a atividade leiteira, desde uma prefeitura, os radialistas, os jornalistas, especialmente os prefeitos que estão iniciando seus mandatos, adverte Jarbas. Para ele, o leite é bem taxado, tem uma história nos municípios dentro da cadeia que chega a ser impressionante pelo quanto gera emprego direto e indiretamente, desde o transportador, o soldador e tantos outros que estão interligados.

 

Há dois anos, quando comecei a fazer layout para composto, muitos me chamavam de louco, que isso não daria certo, isso não seria possível. Hoje, estamos projetando composto na pressão negativa, o que quer dizer que a vaca vai ter 19 graus, a pressão negativa é aquela que troca o ar a cada minuto dentro do estábulo, tira 100% do cheiro e amônia e composta o produto de uma qualidade de adubo, diz. O Rio Grande do Sul fez mais de 300 compost barn em dois anos. Isso nos sinaliza que em cinco anos teremos dobrado a produção de leite.

 

Para o pequeno proprietário esse conceito é o adequado uma vez que ele precisa de acompanhamento, uma vez que tem que ser encarado com profissionalismo e sequência. Apesar de existirem municípios com uma evolução em cima dessa atividade, com parque de máquinas direcionado ao setor, vejo que se criam algumas coisas que impedem a evolução, talvez por falta de uma discussão em âmbito maior. Aliás, eu tenho até um sentimento de não poder, numa sinceridade, responder francamente a essa questão, comenta Jarbas.

 

Jarbas exemplifica citando o caso de proprietários que saíram de Três Passos e vieram morar em Santo Augusto, mas voltaram correndo para Três Passos, dizendo: “bah, eu não sabia que estava tão bem assessorado”. O Poder Público precisa dar atenção ao produtor nem que seja para fazer aquela visita e lembrar de que já está na hora de revacinar o rebanho. O americano ao jogar o boi ou a vaca no confinamento recebe vinte e seis doses de alguma vacina no local no momento da entrada. Aqui, mesmo que as prefeituras criem o sistema, não funciona. Nos Estados Unidos um brasileiro criou esse meio e toca na Califórnia 137 mil bezerras, do colostro até cinco meses.

 

Santo Augusto tem hoje setenta e oito mil/l/dia de produção. E acho que vamos crescer em cinco anos o dobro do que estamos produzindo hoje. Nós temos que estar preparados para isso. Não é o conhecimento disso ou daquilo, é buscar parceiro, é buscar as inovações que estão disponíveis para poder crescer junto ao processo. E ele vem atropelando, diz.

 

Então que buscamos a informação, foi a Elanco que nos proporcionou essa viagem; sou funcionário da IMACOL e a IMACOL é a representante de produtos da Elanco. Estamos imensamente gratos de tudo que está acontecendo via IMACOL, via profissional. Claro que a dedicação pessoal que você tem frente a uma atividade também conta, finaliza Jarbas Sperotto.  

 

Por outro lado, o especialista no setor da produção de leite tece comentários num âmbito mais convencional, como o estabelecimento de uma política de médio a longo prazo, de contratos com preços definidos que poderia viabilizar uma solução para a instabilidade porque passam os produtores de leite todos os anos. Isso garantiria maior segurança e planejamento para ambas as partes, indústrias e produtores. Temos que ter maior formalização na relação produtor e indústria, enfatiza.

 

Sperotto chama a atenção para alguns aspectos interessantes com relação ao setor leiteiro, como: cada 750 litros de leite produzidos no município gera renda equivalente a um salário mínimo, o que permite afirmar que cada 750 l/dia que se aumente da produção diária no município estaria gerando um novo emprego; que cada real que "cai na mão" do produtor ele o coloca no comércio ou serviços local; que em muitos casos, “o montante da produção é a maior fração dos recursos que entram num pequeno município”; que a inadimplência ( calote) desses produtores é a menor que existe; que a maior parte dos empregos no comércio e serviços em um pequeno município que tenha uma forte pecuária leiteira é gerado por essa produção;  que um dos maiores "cancros" da atividade é o transporte, que eleva custo, e diminui a renda do produtor(pois é custo que é repassado); que muitas vezes por causa de uma pequena ponte, ou bueiro, ou por um trecho de 40 a 50 metros em más condições, toda uma estrada fica intransitável; que em um município que produza 50.000 L/dia, a elevação de apenas R$0,01 (um centavo) por litro a mais nos descontos com frete impede a entrada de R$15.000,00 por mês nas mãos dos produtores e portanto na economia local; que há locais onde essa diferença no frete é duas ou três vezes mais,  portanto   R$ 30.000,00 ou R$ 45.000,00 a menos ( equivalendo 15, 30 ou 45 empregos); que o produto é perecível e por isso precisa chegar rápido à indústria e que quando isso não ocorre diminui-se mais ainda o valor do produto. Interessante pensar, também, que o desespero em trazer indústrias pra sua cidade pra gerar emprego, sendo que muitas vezes já há essa "indústria" instalada (que é o produtor); que essa maravilha que é a agricultura(e realmente é) não gera pro município 1/6 da renda que gera "o leite"; que cada 200 a 300 ha de lavoura gera um único emprego; que o enorme montante de dinheiro da produção de grãos não entra no seu município e sim vai gerar emprego lá fora, onde se fabricam equipamentos, máquinas, defensivos, fertilizantes, etc. (aliás, somos muito a favor da produção de grãos no entorno da produção de leite).

 

Justificando todas essas afirmativas, Jarbas Sperotto diz que o que sustenta, alavanca o crescimento, distribui renda, gera emprego, mantém o homem dignamente no campo é a produção desse Santo produto, o leite.

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