“Estou aqui falando como linguista”, avisa na primeira linha o comentário enviado à coluna por Rafael Brandão.
A frase é uma variação do velho “Sabe com quem está falando?” No caso, descubro de imediato que estou falando com ─ melhor: estou ouvindo por escrito ─ uma sumidade em língua portuguesa, um doutor em anacolutos, assíndetos, hipérboles, pleonasmos e verbos irregulares, fora o resto.
“Presidenta é um termo CORRETO e é aceito tanto em registros lexicográficos mais antigos quanto nos contemporâneos da língua”, começa a aula.
As maiúsculas que engordam e elevam a estatura do adjetivo CORRETO gritam a advertência: quem duvidar da afirmação poderá sujeitar-se a uma surra de ponto de exclamação, usado por linguistas como uma espécie de borduna do idioma. Faz mais de 100 anos que a palavra presidenta virou verbete de dicionário (“registro lexicográfico”, corrigiria Rafael Brandão).
“A flexão de gênero em termos como presidenta, contenta etc., está presente em três dos idiomas neolatinos: português, espanhol e italiano”, prossegue o linguista, dispensando-se de ressalvar que a maioria das nações optou pelo exemplo da França, que mantém o Madame le Président.
A aula de falsa erudição é encerrada com o pito amplificado por um cortejo de maiúsculas: “Portanto, pessoas, PAREM DE ATRIBUIR QUESTÕES FILOLÓGICAS A PARTIDOS POLÍTICOS. Pois no final das contas, se tornam arrogantes vocês, que opinam sem saberem sobre o que falam”.
Os idiotas estão por toda parte, alertou Nelson Rodrigues há quase 50 anos. E se reproduzem em liberdade no mundo da linguística, informa o conteúdo do texto e confirma aos berros a última frase. Falta uma vírgula depois de “Pois”. O “vocês” se sentiria melhor alojado entre a vírgula e o “se”. E “opinam sem saberem” é um pontapé no idioma de dar inveja a Dilma Rousseff. Brandão não sabe que oCORRETO é “saber”, no singular.
Enquanto o linguista sem rumo estuda verbos, tratemos do que interessa. Como todos os brasileiros alfabetizados, sei desde sempre que não é errado dizer ou escrever “presidenta”: a palavra existe. Como todos os brasileiros sensatos, sei desde os tempos de colegial que o status de verbete de dicionário não torna certos termos menos ridículos. (Por isso mesmo, ninguém se refere ao marido ou à mulher como “consorte”, e noiva nenhuma admite ser qualificada de “nubente”).
Como todos os brasileiros que não renunciaram à altivez, sei que a palavra só é usada por gente que flexiona a espinha com a destreza de ginasta olímpico. O tratamento que Dilma exigiu ao instalar-se no planalto virou um distintivo que identifica os sabujos, os vassalos, os servis, os bajuladores e outras ramificações da tribo dos subalternos incuráveis. Para alívio de quem preza a língua portuguesa, a invencionice tem data marcada para morrer.
Ainda que permaneça escondida nos dicionários, não sobreviverá à morte política de Dilma Rousseff. E então ficaremos com o bom e velho “presidente”, substantivo de dois gêneros que designa alguém ─ homem ou mulher ─ que preside alguma coisa. Pode ser uma empresa. Pode ser uma organização criminosa. Ou um governo que, disfarçado de instituição republicana, age como se fosse um bando de delinquentes. imprensalivrers