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Plano do governo Lula para segurança tem 5 medidas que podem aumentar a criminalidade

Por Gazeta do Povo

O Ministério da Justiça e Segurança Pública propôs uma série de medidas com o objetivo de combater o tráfico de drogas, o crime organizado e a superlotação de presídios, mas as iniciativas podem ter o efeito contrário e agravar ainda mais os problemas na segurança pública no país. Para especialistas ouvidos pela reportagem, a consequência pode ser o aumento da criminalidade. As ações fazem parte do Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de autoria do ministério e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que é vinculado à pasta.

Dentre as iniciativas propostas estão medidas de desencarceramento, como mutirões de indulto e de revisão de penas, adoção de audiências de custódia, e revisão da política de guerra às drogas, que prevê negociações com “pequenos” traficantes e portadores de drogas ao invés de prisão. Outro ponto destacado são as ações de desarmamento e as diretrizes para implementação do uso de câmeras corporais nos uniformes de integrantes das forças de segurança.

Especialistas em segurança pública afirmam que as propostas elencadas no plano são ilógicas, já que não resolvem as questões propostas, e que se baseiam em narrativas ideológicas. O jurista e responsável pelo Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), Fabrício Rebelo, salienta que o plano pode levar ao aumento da criminalidade diante de alguns efeitos principalmente relacionados às políticas de desencarceramento e de desarmamento.

Segundo ele, as medidas de desencarceramento levam ao aumento da sensação de impunidade, além de favorecerem a reincidência, fazendo com que criminosos deixem de temer a prisão. Se forem colocados em liberdade, parte deles deve voltar a cometer crimes, o que é uma realidade bastante conhecida no país.

Por sua vez, as medidas de desarmamento retiram do criminoso o receio da reação da vítima, dando-lhe “passe livre” para atuar impunimente e sem risco. Somadas às medidas de desencarceramento, que fazem com que os criminosos deixem de temer a sanção do Estado, tornam-se uma “receita para o incremento das atividades criminosas”.

Para implementar algumas de suas medidas, o plano prevê a reelaboração de leis, como por exemplo, a Lei 11.343/2006, também conhecida como Lei das Drogas. Mas, para tanto, seria preciso que houvesse anuência do Congresso Nacional. Mais conservador em relação às pautas de costumes, a aprovação desejada pelo governo petista pode não ser alcançada.

O presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, deputado Alberto Fraga (PL-DF), descarta qualquer possibilidade de que tais propostas sejam aprovadas no Congresso. Ele afirma que aquilo que se propõe no plano é uma política de controle mais frouxo. Segundo Fraga, optar por esse afrouxamento, sem algo para substituí-lo, “ampliará os problemas da sociedade”.

Em resposta à Gazeta do Povo, o Ministério da Justiça afirmou que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), autor do plano, é um órgão técnico autônomo que tem como atribuições propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança, além de contribuir com a elaboração de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária.

De acordo com a pasta, parte das contribuições do colegiado é ofertada por meio do Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária cujo objetivo é orientar o poder público na formulação de políticas públicas relacionadas à política criminal e penitenciária. Por serem diretrizes, cabe ao poder público adotá-las ou não.

O Ministério da Justiça ainda afirma que tanto o Plano, quanto as Notas Técnicas, Recomendações ou Resoluções do CNPCP, não necessariamente refletem a posição oficial da pasta ou mesmo do Governo Federal, o que não diminui sua relevância prevista em lei federal.

A pasta não deixou claro se todas as medidas vão ser colocadas em prática, mas medidas como desencarceiramento, desarmamento e câmeras policiais vêm sendo defendidas sistematicamente pelo governo Lula. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, foi o responsável por implementar uma política de audiências de custódia quando era presidente do Supremo Tribunal Federal que resultou na libertação de mais de 560 mil suspeitos em cinco anos.

A Gazeta do Povo detalhou cinco pontos do plano que podem ocasionar o aumento da violência:

1 – Repensar a política de “guerra às drogas”
Uma das principais ações do plano, inserida e reiterada em diversos eixos, é “repensar a política de guerra às drogas”. O documento relaciona a essa abordagem a letalidade policial, a mortalidade e as prisões de jovens negros, o aumento do encarceramento de mulheres, a criminalidade violenta e a criminalidade organizada. Ou seja, a política de combate às drogas figura no plano praticamente como uma, senão a principal, causa de todos esses problemas de segurança pública.

Rebelo afirma que essa narrativa reforça a falência e a ineficiência do Estado em resolver a questão do tráfico de drogas. Além disso, um dos principais objetivos desse tipo de proposta é tirar da prisão aqueles que são considerados pequenos traficantes. “É uma política que contribui diretamente para o aumento da criminalidade, como ocorreu em todos os locais em que foi implementada”, destaca.

O jurista defende que há uma visão romantizada de que o traficante é inofensivo, jogado no crime por fatores sociais e que não pratica violência. Para ele, isso é tecnicamente absurdo. O analista diz acreditar que a proliferação de facções criminosas e sua atuação cada vez mais ousada e diversificada é um indício de que o tráfico é um enorme ecossistema criminal, que alimenta uma série de outras atividades ilegais.

Outro ponto destacado na “revisão da guerra às drogas” é a substituição de uma política proibitiva por uma de “restrição”, que permita o “comércio de drogas com diversas restrições, tributação mais elevada”, entre outros pontos.

O deputado Alberto Fraga afirma que não é possível acreditar que a liberalização da venda é capaz de intimidar ou reduzir as ações do tráfico. “Como substituir o narcotráfico com a forte demanda de drogas? Nenhum país conseguiu isso”, salientou.

Segundo analistas, a legalização não tende a ocorrer para todo tipo de drogas. Nesse cenário, o crime organizado continuaria atuando no “ramo” para vender entorpecentes mais fortes e também para competir com a droga legalizada fazendo a comercialização sem pagar impostos.

2 – Ações de desencarceramento ao invés da construção de mais prisões
Uma das principais bandeiras do ministro Ricardo Lewandowski, a política de desencarceramento encontra destaque no plano. O documento prevê, por exemplo, mutirões para atender a pedidos de revisão e progressão de pena, bem como o uso de indulto.

Conforme explica Rebelo, a lógica da segurança pública vai na direção contrária. A fórmula para reduzir a quantidade de presos não é soltá-los de forma indiscriminada, mas reduzir o número efetivo de criminosos. Para tanto, é necessário que haja políticas e legislação firmes, que façam os criminosos temerem as consequências de seus atos, ao invés de estimulá-los ao crime com mais impunidade, segundo o analista.

Além disso, Rebelo afirma que há questionamentos sobre os números da superpopulação carcerária no Brasil, já que os índices levam em conta quem não está efetivamente preso, como os que cumprem pena em regime semiaberto, aberto e até domiciliar – nas pesquisas de segurança eles são chamados de “presos virtuais” ou de “presos na nuvem”.

“O que há é um déficit de vagas e uma péssima distribuição delas no sistema penal, o que seria corrigido com a construção de presídios, o que, contudo, é politicamente ruim, não pode ser explorado eleitoralmente, e por isso acaba negligenciado”, disse.

O plano ainda propõe a ampliação das hipóteses de indulto como uma das soluções para o “problema da superlotação carcerária”. O indulto é um perdão coletivo concedido pelo Presidente da República a condenados em processo criminal. Sua aplicação, no entanto, é limitada e não se aplica no caso de determinados crimes, como os hediondos, a tortura, o terrorismo e o próprio tráfico de drogas.

Ao comentar sobre o plano e o uso indulto para fins de desencarceramento, o senador Sérgio Moro (União-PR) rechaçou a possibilidade em seu perfil no X. “O Governo Lula é incansável em suas propostas para beneficiar criminosos condenados”, afirmou o ex-juiz, que ainda disse que “se esse absurdo for adiante, vamos trabalhar para derrubar no Congresso, como fizemos com o veto de Lula contra o fim das saidinhas dos presos”.

3 – Plano propõe ampliar audiências de custódia e resolução de conflitos
As audiências de custódia foram implementadas no Brasil quando o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, era presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, em 2015. Trata-se de um mecanismo jurídico no qual a pessoa que foi presa em flagrante é ouvida por um juiz ou juíza, com a participação do Ministério Público e da Defensoria ou de um advogado, a fim de avaliar a legalidade da prisão.

Durante as audiências, também é decidido se deve ser concedida a liberdade a essa pessoa ou se ela deve seguir presa de forma preventiva, bem como a ocorrência de eventuais torturas ou maus-tratos durante a prisão em flagrante.

No plano, há um eixo específico para a audiência de custódia, no qual se alega tratar-se de “verdadeira assistência social subsequente”, dada a “grande vulnerabilidade socioeconômica dos autuados em flagrante”.

Por essa razão, o plano destaca que, para além de ser um ato judicial, as audiências de custódia, exigem análise das “circunstâncias pessoais imediatamente envolvidas para eventual aplicação de medida alternativa à prisão” e para encaminhamento do preso em flagrante para centros de assistência social, atenção psicossocial a fim de tratar de sua situação de vulnerabilidade.

O plano ainda prevê o desdobramento das audiências de custódia em momentos de resolução de conflitos. A previsão é de que ambos os instrumentos jurídicos sejam utilizados em crimes que não envolvam violência ou relacionados ao tráfico ou apreensão de drogas.

4 – Desarmamento para contenção da criminalidade violenta
Outro ponto estruturalmente controverso do plano é prever medidas de restrição de acesso a armas como uma forma de combater a criminalidade violenta. Desde o primeiro dia de seu terceiro mandato, quando revogou medidas de Jair Bolsonaro para facilitar o acesso a armas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prega o desarmamento.

Ignorando a queda nos índices de violência durante o governo Bolsonaro, o plano diz que a política armamentista não contribuiu para a diminuição dos homicídios. O documento ainda apresenta um dado questionável do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que culpa o governo Bolsonaro e sua política liberal de acesso às armas por número de homicídios não ter sido menor entre 2011 e 2021.

O deputado Alberto Fraga afirma que os criminosos não usam armas legalizadas e que, por isso, uma das medidas propostas, de intensificar o registro das armas, é importante. Ele afirma que é relevante que a legislação possa ser estadual, “como foi por muito tempo”. Mais uma vez, o plano vai no sentido contrário, defendendo que os estados não legislem sobre esse tema.

Rebelo diz que o discurso de que mais armas levam a mais violência, sustentado pela esquerda, é falacioso, pois todos os indicadores oficiais de criminalidade demonstraram a ineficácia desta medida, quando de sua aplicação, defende Rebelo.

“Ao insistir nessa tese, o governo deixa absolutamente claro não ter a mais ínfima preocupação com a realidade, buscando apenas reafirmar sua agenda, inclusive à custa da insegurança da população, que se torna cada vez mais fragilizada, com mais criminosos soltos e menos possibilidade de se defender”, afirma o jurista.

5 – Uso de câmeras corporais por policiais
Outro subeixo do plano diz respeito ao uso de câmeras corporais por agentes de segurança. Para tanto, o plano prevê implantar uma política pública para regulamentar as medidas de instalação, protocolos de serviço e uso adequado dos aparelhos, além de criar um comitê intersetorial para acompanhar o uso das câmeras.

O uso de câmeras corporais também está previsto no subeixo do plano “enfrentamento à criminalidade violenta”, a fim de fornecer transparência e legitimidade reforçadas à ações dos agentes de segurança, resguardando sua atuação profissional e assegurando “o uso proporcional da força e garantida a preservação dos direitos fundamentais do cidadão”.

Como já reportado pela Gazeta do Povo, especialistas em segurança pública afirmam que o uso de câmeras corporais pelos agentes de segurança inibe sua atuação. Isso porque os policiais evitariam entrar em confronto com os criminosos para evitar que as imagens sejam usadas indevidamente para abrir processos criminais contra eles. Além disso, a captura e o armazenamento das imagens também são uma questão comumente levantada pelas administrações quando se trata do uso das câmeras, que podem envolver valores elevados para as administrações.

Outro ponto, é a real efetividade das câmeras. Rebelo afirma que não há estudos conclusivos sobre sua eficácia. Em março deste ano, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, defendeu que os resultados que afirmam que houve redução da violência em razão das câmeras foram obtidos por estudo feito durante o período da pandemia da Covid-19.

“Não é que reduziram as mortes, mas reduziu também a circulação de pessoas nas ruas. Pergunto se não seria justo outro estudo científico que fosse feito fora do período pandêmico”, afirmou na ocasião. Já o deputado federal Sargento Portugal (Podemos-RJ) defende que as câmeras possam ser acionadas de forma facultativa pelos agentes.

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