A PEC da Imunidade foi a primeira polêmica – e também a primeira derrota – de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara.
A proposta que “clarearia” os limites da imunidade parlamentar, um desejo pessoal de Lira em seu início de mandato, acabou sendo retirada da pauta após a percepção de que o texto não teria os 308 votos necessários para sua aprovação.
Agora, terá de encarar um “ritmo mais convencional” de tramitação, caso Lira ainda queira votar o projeto, que foi apelidado por seus críticos de ‘PEC da Impunidade”.
Isso significa que o texto, feito as pressas após Daniel Silveira (PSL-RJ) quase dar início a uma crise institucional entre o Legislativo e o Judiciário, terá de ser “refinado” em uma comissão especial.
O termômetro da situação pode ser visto, quando, contrariado, Lira retirou a PEC da pauta. Até mesmo aliados de Silveira, possível beneficiado com a aprovação da PEC, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) terminaram a sessão defendendo sua retirada de votação.
“(A PEC) Era para resguardar as falas de parlamentares, terminou sendo para resguardar eventuais crimes. Desta maneira, sou contra”, disse o deputado.
Mesmo com possível mudanças sugeridas pela relatora, a deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), a solução foi dar dois passos para trás.
O próprio Lira, entretanto, admite que a comissão especial não é certeza de que haverá um texto de consenso. “Se a Casa ainda assim se negar a votar ou não ter o entendimento que uma comissão especial possa trazer, lamento antecipadamente”, disse ao final da sessão que discutia a PEC.
A proposta original, de autoria do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), tem cerca de três páginas, que propõe modificar algumas das atuais regras sobre a imunidade que deputados e senadores têm no exercício do mandato.
Ela se enquadra em uma das “promessa” de campanha de Lira: de conter um “excesso de judicialização” de casos, em especial daqueles que deputados e senadores acreditam ser responsabilidade do Legislativo.
A BBC News Brasil explica a seguir algumas das principais polêmicas da proposta votada na Câmara dos Deputados.
Vai aumentar a impunidade de parlamentares?
A principal preocupação no momento, destacada por deputados contrários ao texto é a possibilidade de dificultar a punição de deputados e senadores que tenham cometido crimes.
O texto determina que a prisão de políticos com mandato no Legislativo ocorra apenas em flagrante por crimes inafiançáveis.
Na sessão em que Arthur Lira (PP-AL) tentou aprovar a PEC, a palavra “impunidade” foi repetida por oposicionistas. A alegação é que a ampliação da imunidade parlamentar contribuiria para dificultar punições contra políticas.
“Por exemplo, no § 9º do art. 1º fica claro — eu não posso ler o artigo nem o parágrafo inteiro por falta de tempo — que jamais uma decisão judicial poderá afastar um Parlamentar. Então, como eu dei o exemplo, o Deputado Eduardo Cunha não poderia ter sido afastado, ainda que tardiamente, porque o Supremo falhou ao demorar para afasta-lo, e muito menos o deputado Daniel Silveira”, disse o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
“Só o Conselho de Ética poderia afasta-los, e o Conselho de Ética tem histórico de muita autoproteção. Então, aumenta a impunidade, sim”. completou.
Como explica o advogado Renato Ribeiro, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), é uma tendência do Congresso ampliar a imunidade parlamentar, o que pode ser visto como aumento da impunidade.
“A PEC está ampliando a imunidade parlamentar. Já houve uma ampliação a essa prerrogativa. Veio pela Emenda à Constituição 85/2001. Foi quando a Constituição foi alterada para incluir imunidade parlamentar. A cada 20 anos eles aumentam o rol de imunidade”, diz Ribeiro.
Além da impossibilidade em prisão por crimes que não sejam inafiançáveis e do afastamento do cargo só poder ser decidido pela Comissão de Ética, a PEC também determina que uma possível prisão terá de ser chancelada pelo plenário da respectiva Casa Legislativa, como aconteceu com Daniel Silveira.
Enquanto isso, o parlamentar ficará sob custódia do Parlamento, podendo permanecer preso no Congresso Nacional ou até mesmo em sua própria casa.
“Ouvi falas de alguns eminentes Deputados que diziam: ‘Olha, parece que esse texto aqui está acobertando, está dando um ar de aumento de impunidade’. Quem lê o texto com calma vê que ele não está acobertando nada”, defendeu o deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG).
“Pode até parecer para quem não conhece o Direito, pode dar esse ar para quem não leu o texto com calma. Mas, ao lê-lo com calma, verá que o texto desta PEC não está aumentando nenhum direito sequer dos parlamentares. Ao contrário: está até restringindo, está diminuindo direitos.”
Pode dificultar investigações?
O ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol reclamou em suas redes sociais desta possibilidade. O texto deve incluir algumas barreiras para ações contra parlamentares, em especial as de busca e apreensão.
O projeto determina que apenas o Supremo Tribunal Federal (STF) terá competência exclusiva para tipo de operação contra parlamentares. Além disso, provas colhidas terão de aguardar até que o plenário do Supremo analise o caso.
“Os elementos recolhidos, no caso de busca e apreensão, ficarão acautelados e não poderão ser analisados até a confirmação a que se refere o § 12, sob pena de crime de abuso de autoridade, nos termos da lei”, diz a PEC.
“Vemos um certo espetáculo em relação a buscas e apreensões contra diversos, políticos de diversos partidos. Então não faz muito sentido na pirâmide de poder, o juiz de primeira instância determinar uma ação contra um parlamentar do Legislativo Federal”, opina Ribeiro.
Deputados não poderão mais ser presos?
Poderão. A PEC deixa as regras mais claras para o caso de prisão de deputados. Eles serão presos em flagrante apenas em crimes inafiançáveis. Nesta categoria, se enquadram os crimes hediondos, crimes dolosos contra a vida (homicídios, latrocínios), tortura, tráfico de entorpecentes, terrorismo e racismo.
“Imaginem que um Parlamentar seja colhido em ato flagrancial com uma mala recheada de dólares, desviados da sociedade brasileira. Ele não poderá ser preso em flagrante. Isso é um despropósito!”, disse no plenário o deputado Fábio Trad (PSD-MS), crítico à proposta.
“Não há um único dispositivo na Constituição que diga que corrupto ou quem comete improbidade administrativa vai ser preso em flagrante”, defendeu a relatora, Margarete Coelho.
Além disso, a proposta deixa claro que o parlamentar ficará sob custódia do Congresso até que sua respectiva Casa Legislativa julgue a prisão.
Diz o texto: “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante por crime cuja inafiançabilidade seja prevista nesta Constituição, hipótese em que os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que resolva sobre a prisão pelo voto da maioria de seus membros”.
Suspensão de mandato acaba?
Segundo a proposta, mandatos não poderão mais ser suspensos pela Justiça. O Judiciário fica impossibilitado de decretar um afastamento como medida cautelar.
Segundo Renato Ribeiro, juízes poderão determinar, por exemplo, medidas como afastamento noturno e apreensão de passaportes, sem interferir no trabalho do parlamentar.
A perda do mandato será decidida pela Câmara e pelo Senado.
Pode influenciar nos casos Daniel Silveira e Flordelis?
Ambos os parlamentares, atualmente afastados de seus mandatos, poderão retomar seus cargos em caso de aprovação de uma lei mais branda.
Silveira, que está preso por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes, ficaria sob a custódia da Câmara em caso de aprovação da PEC em seus moldes originais.
Ainda há a possibilidade de que seja solto. Isso porque Silveira foi preso por ordem de Moraes por um crime enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que não consta na lista de inafiançáveis, exigência para que deputados sejam presos em flagrante.
O juiz do STF considerou que o vídeo com ameaças aos membros da Corte, publicado nas redes sociais do parlamentar, configurava como “flagrante”, algo também contestado por defensores do deputado.
Já Flordelis (Republicanos-RJ), que continuou a exercer o posto de deputada federal mesmo após ser acusada de participar de um complô que resultou no assassinato de seu marido, está com o mandato suspenso por decisão da Justiça do Rio.
Com as mudanças propostas pela PEC, o Judiciário fica impossibilitado de determinar afastamento do mandato. Com isso, ela voltaria a atuar na Câmara até que o Conselho de Ética e o plenário decidam sobre o caso.
“Essa decisão seria inválida a partir da aprovação (da PEC). Porque (a Justiça) não poderia mais afastar o parlamentar por meio de decisão judicial. Apenas por parte do Congresso Nacional ou de sua Casa Legislativa”, explicou Ribeiro.
Reforça regras já existentes?
A principal defesa dos deputados aliados à proposta é de que a PEC não traz nenhuma novidade ao ordenamento jurídico brasileiro.
A ideia, segundo a própria relatora, Margarete Coelho, é apenas deixar claro, em consonância com a atual jurisprudência do Supremo, qual são os limites da imunidade parlamentar.
“Não estamos trazendo absolutamente nenhum elastecimento do que já temos hoje de garantia dos mandatos, apenas deixando claros não só as possibilidades, mas também os limites”, disse a relatora.
“O que acontece com o Parlamentar que abusa da prerrogativa? O que acontece com o Parlamentar que abusa do seu direito de manifestação? O que acontece quando a sua fala representa um crime contra a honra ou um crime de opinião? O objetivo desta PEC é fazer com que esses contornos sejam claros, é fazer com que esses contornos sejam claros e sejam obedecidos também.”
“A questão é qual a pressa se não vai alterar nada? Não fazia sentido votar um texto que foi escrito em um final de semana sem discutir esse tema com calma”, questiona Ribeiro.