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PCC, a máfia brasileira: conheça os tentáculos da maior facção criminosa do País

PCC, a máfia brasileira: conheça os tentáculos da maior facção criminosa do País
Segurança pública: o PCC já atua até no mercado financeiro (Crédito:Antonio Scorza)

Se o Primeiro Comando da Capital (PCC) fosse uma empresa não entraria por pouco na lista das 500 maiores do País com seu estimado faturamento anual de R$ 5 bilhões. Mas em seus 30 anos de atuação, o maior grupo criminoso brasileiro começou com pretensão política, por melhor tratamento à população carcerária, fim da tortura, avançou no tráfico de drogas, estabeleceu-se no mundo empresarial com transporte clandestino e redes de postos de gasolina, até alcançar status de máfia, com estabelecimento de braços legais dentro do Estado, tanto na política quanto na oferta de serviços públicos essenciais. A operação Fim da Linha, resultado de cinco anos de investigação e que prendeu até agora dirigentes de concessionárias de ônibus da capital paulista e três vereadores, por ligações com a facção, é a ponta de iceberg da organização que já opera de maneira sofisticada na lavagem de dinheiro, ainda que tenha sido absolvida em alguns processos, atua em fintechs e se tornou a mais bem estruturada e com potencial para se institucionalizar.

A operação deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo em duas etapas, sob o comando do promotor Lincoln Gakiya, que tenta combater o PCC há 20 anos dentro do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (GAECO), revelou a governança da facção, que preenche todas as formalidades da máfia italiana.

Fazem parte do gabarito mafioso:
 o formato empresarial,
 método transacional,
 rígido manual de conduta,
 e código de silêncio sobre delações.

Faltava apenas a infiltração nos poderes do Estado por meio da corrupção de agentes públicosAgora, talvez não falte mais nada: suspeita-se que as empresas de ônibus Transwolff e UPBus vinham sendo usadas por anos para lavagem de dinheiro do tráfico de drogas e outros crimes.
 A Transwolff opera 100 linhas na Zona Sul de São Paulo, possui 1.200 veículos e recebeu R$ 748 milhões da Prefeitura em 2023;
• a UPBus, com 13 linhas e 138 ônibus na Zona Leste, faturou R$ 81 milhões. Juntas, elas atendem a 25% (750 mil passageiros por dia) na maior cidade do País.

“Mesmo tendo isolado as lideranças em presídios federais, a estrutura continua funcionando no dia a dia. As decisões estratégicas permanecem com a cúpula, mas o restante opera de maneira independente. Por isso estamos falando de organização mafiosa”, aponta o promotor Gakiya.

PCC, a máfia brasileira: conheça os tentáculos da maior facção criminosa do País
Transferência de Marcola (acima) para presídio federal deflagrou nova guerra; integrantes originais do PCC, como Cesinha e Geleião (abaixo) foram mortos (Crédito:Sergio Lima)

Braços políticos

Além das duas licitações no transporte, há suspeita de favorecimento em concorrências de prestação de serviço público em pelo menos outros 12 municípios paulistas. Tanto que uma semana após a ordem de prisão dos donos das empresas de transporte, três vereadores de diferentes cidades foram presos por suposto recebimento de propina em contratos de serviço de limpeza e vigilância nas respectivas Câmaras Municipais. São eles: Ricardo Queixão (PSD), de Cubatão, Flavio Batista de Souza (Podemos), de Ferraz de Vasconcelos, e Luiz Carlos Alves Dias (MDB), de Santa Isabel.

“Em todas as prefeituras havia indicativo de corrupção”, disse o promotor Yuri Fisberg do MPSP“Isso mostra uma face do crime que está se infiltrando no poder, na política, está lavando dinheiro em atividades lícitas e ficando poderoso”, diz o governador do Estado, Tarcísio de Freitas.

Outras três empresas de transporte estão sendo investigadas por possível cartelização do setor, já que nas licitações dos lotes elas foram as únicas proponentes, o que levantou a suspeita.

PCC, a máfia brasileira: conheça os tentáculos da maior facção criminosa do País
Os vereadores Luiz Carlos Alves Dias (Santa Isabel), Ricardo Queixão (Cubatão) e Flávio de Souza (Ferraz de Vasconcelos) foram presos sob suspeita de ligações com facção (Crédito:Divulgação )

Na operação que prendeu vereadores, 15 ordens de detenção foram expedidas. Entre elas, a de Vagner Borges Dias, cantor de pagode conhecido como Latrell Dias. Em seu nome, dois contratos com a Prefeitura de São Paulo para limpeza de unidades de educação infantil, datados de 2020 e que somam R$ 49,6 milhões. Vagner é dono da Safe Group, que venceu duas licitações, e apontado na investigação com ligação ao PCC. Ele está foragido.

Em operação recente da Polícia Federal foi descoberta nova ramificação dos negócios do PCC como empresa, desta vez no mercado financeiro. O grupo passou a utilizar fintechs, que são menos vigiadas pelo Banco Central, para lavagem de dinheiro, em estratégia que demonstra que o passo seguinte é a criação dos próprios bancos digitais para operações do tipo. A investigação encontrou indícios também da participação da quadrilha em Fundo de Investimento em Participações, realizados por empresas privadas que não são listadas em bolsas de valores.

O início

A infiltração do PCC junto ao transporte público remete ao início da atividade da facção, nos anos 1990, quando começaram a operar peruas clandestinas que faziam trajetos entre bairros periféricos e terminais de ônibus. Usavam os veículos também para conduzir familiares de presidiários às penitenciárias que foram abertas pelo Estado, conforme a determinação inicial do grupo, que usava a sigla de três letras como Partido da Comunidade Carcerária, em sua atuação política, e Primeiro Comando da Capital para se referir ao braço armado.

O dono da Transwolff, Luiz Carlos Pacheco, o Pandora, é um ex-perueiro ligado ao PCC e foi preso durante a Fim da LinhaJá o controlador da UPBus é Silvio Luiz Ferreira, conhecido como Cebola e que atuava como gerente do tráfico internacional da facção criminosa até ser flagrado com meia tonelada de drogas no galpão onde passou a operar depois a empresa de transporte.

O MP aponta que ele possui mais de metade da frota da UPBus, que foi elogiada recentemente pelo prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB). Após a operação, a Prefeitura nomeou dois servidores como interventores nas empresas para garantir a continuidade na prestação do serviço.

Cebola é foragido da justiça há 10 anos. Anselmo Bicheli Santa Fausta, o “Cara Preta”, era sócio da UPBus. Ele foi degolado em dezembro de 2021. Outros dois sócios, apelidados Buiú e Jango, já foram alvos de investigação por homicídios, tráfico de drogas, sequestros e roubo a bancos.

Cronologia

• O PCC começou a atuar como organização política dentro de penitenciárias em 1993, um ano após o Massacre do Carandiru, que terminou com 111 detentos mortos.

• A data escolhida de fundação foi 31 de agosto, dia em que os oito fundadores organizaram partida de futebol contra os líderes que dominavam a Casa de Custódia de Taubaté e mataram dois deles.

• Do interior paulista, o grupo expandiu o controle de presídios no País, já que alguns integrantes foram transferidos para presídios em Mato Grosso do Sul e no Paraná.

• No decorrer dos primeiros anos, um a um os oito fundadores foram mortos. O último, Geleião, morreu de Covid em 2021.

• Mas desde 2002, a liderança pertence a Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, encarcerado há 25 anos e condenado a mais de 300 anos de prisão.

A principal vantagem do Primeiro Comando da Capital foi ter nascido em território sem domínio criminoso instituído de outra facção. O sociólogo norte-americano Sudhir Venkatesh publicou artigo em 2000 que antecipa a fórmula que levou o PCC ao posto de maior e mais lucrativa facção do País. O pesquisador é autor de Gang Leader for a Day: A Rogue Sociologist Takes to the Streets (Líder de gangue por um dia: Um sociólogo desonesto vai para as ruas), sobre período infiltrado em grupo criminoso para estudo. No artigo Uma análise econômica das finanças de gangues de vendedores de drogas, Venkatesh estabelece como principal trunfo da facção a ausência de concorrentes, pois o que mais consome recursos são justamente os confrontos na guerra por domínio territorial.

Por revista Isto É

 

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