Em entrevista ao Estadão, o comediante afirma que entrar na política seria um ‘sacrifício’ para ele, mas não descarta a sua participação nas eleições de 2022 como candidato à Presidência.
Entrevista com
Danilo Gentili, apresentador e humorista.
Nas últimas semanas, um nome improvável passou a figurar entre os possíveis candidatos à Presidência em 2022: o do apresentador e humorista Danilo Gentili. A ideia, segundo ele, surgiu como uma brincadeira nas redes sociais, mas ganhou corpo no início de abril com a divulgação de uma pesquisa encomendada pelo Movimento Brasil Livre (MBL), na qual aparece em terceiro lugar na corrida presidencial, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente Jair Bolsonaro e empatado com o apresentador Luciano Huck, o governador de São Paulo, João Doria, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e o ex-ministro Ciro Gomes, com 4% das intenções de voto. Foi turbinada também pela afirmação do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro – ele próprio tido como presidenciável, apesar de suas negativas a respeito do assunto – de que daria o seu voto a Gentili no pleito.
Nesta entrevista ao Estadão, feita por e-mail a seu pedido, Gentili, de 41 anos, diz que entrar na política seria “um sacrifício” para ele, mas não descarta a possibilidade de participar da disputa, com o apoio do MBL, se não surgirem “alternativas melhores”. Considerado um adepto da direita, Gentili afirma ainda que, no momento, “com a casa pegando fogo”, ficar discutindo liberalismo “é um luxo”. “O que precisamos é de pessoas com boa vontade que estejam dispostas a se arriscar e a pegar alguns baldes para tentar aplacar o incêndio.”
Líderes partidários elogiam união de presidenciáveis contra Bolsonaro
A quem acredita que a sua eventual candidatura faria parte do folclore político nacional, Gentili manda um recado: “Quando faço as minhas piadas, os políticos me levam muito a sério, a ponto de eu colecionar pedidos de prisão e de censura vindos deles. Então, acho que eles é que temem que a minha candidatura seja levada a sério e não o contrário.”
Nas últimas semanas, a informação de que o sr. está discutindo a possibilidade de ser candidato à Presidência em 2022 ganhou força nas redes sociais e na mídia. Como surgiu essa ideia? Em que pé está essa articulação?
Foi um movimento espontâneo, que surgiu quando a Câmara pediu uma nova prisão contra mim (por uma publicação nas redes sociais que supostamente incitava a violência contra os deputados durante as discussões da imunidade parlamentar). Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Desde os anos do PT, eles fazem isso. Hoje, qualquer coisa que eu faça tem gente escrevendo “Danilo 2022”. No principio, eu ignorei. Como não parou, comecei a brincar de volta. Estou me divertindo um pouco com isso na internet. Até o momento, essa é praticamente a articulação que tem sido feita.
Numa pesquisa encomendada pelo MBL, divulgada em 6 de abril, o sr. apareceu em 3ª lugar na corrida presidencial, atrás de Lula e Bolsonaro e empatado com Huck, Doria, Mandetta e Ciro, com 4% das intenções de voto. O resultado o animou a ser candidato?
Não é difícil perceber que a maior parte dos brasileiros sonha em entrar na política para ganhar dinheiro ou ficar famoso. O meu sonho sempre foi o oposto. Sempre sonhei em viver num país com menos política – e, por ironia, ganhei dinheiro e fiquei famoso. Então, entrar num projeto político para mim seria um sacrifício, não um passo carreirista. Na política, eu teria que conviver com políticos, ganharia muito menos dinheiro do que ganho hoje e também comprometeria a minha fama, ou seja, seria só prejuízo para mim. Entrar na política para mim seria um sacrifício, como é um sacrifício alguém ir para a guerra. Mas as pessoas vão para a guerra quando percebem que o que amam está sob ameaça e não lhes resta mais alternativa. Agora, só dá para pensar numa coisa dessas se tiver os aliados e as estratégias certas. Sinceramente, espero que surjam alternativas melhores. Eu gostaria muito de enxergar boas alternativas para jamais precisar pensar nisso.
O ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro afirmou na semana passada que o sr. teria o voto dele, se fosse candidato. Como recebeu a declaração de Moro?
Eu confesso que fiquei feliz, pois também votaria nele. Talvez ele seja um dos únicos em quem eu votaria hoje.
Ficar discutindo direita ou liberalismo no momento é um luxo que devemos deixar para a Inglaterra ou para os Estados Unidos
O sr. tem uma grande ligação com o MBL, que pretende agregar os candidatos do movimento em 2022 numa única legenda, e poderia puxar muitos votos para eles. O que pensa da ideia de ser candidato à Presidência com apoio do MBL?
Na verdade, sou amigo deles antes de o MBL existir. Conheci o (deputado) Kim (Kataguiri, um dos líderes do grupo), numa página de memes da internet anos antes de o MBL surgir. Ninguém imaginava na época que tudo isso aconteceria e que ele seria deputado. Fico feliz porque a atuação dele até o momento não decepciona nem um pouco. Acho que ele é, disparado, o melhor parlamentar da Câmara. Ele é que deveria ser o candidato a presidente do MBL, mas ainda não tem idade para isso (tem 25 anos e a legislação exige no mínimo 35). Enquanto o MBL continuar demonstrando uma boa atuação como a do Kim, eles podem contar, sem dúvida, com a minha simpatia.
Pelas informações divulgadas até agora, o sr. já teria participado de ao menos uma reunião com o MBL para discutir o assunto e teria outro encontro marcado com os líderes do movimento e o comunicador André Marinho (integrante do Pânico, programa da rádio Jovem Pan). Como foram essas conversas?
Realmente foi noticiado que teria rolado um encontro para articular a minha campanha, mas esse encontro não aconteceu. Agora, tanto o Kim quanto o Renan (Santos, outro líder do MBL) e o André Marinho são pessoas com quem eu simpatizo e não teria problema nenhum em me encontrar com eles para conversar. O Pânico brinca que o André Marinho tem a Chapa Tênis (analogia com sapatênis) e que eu quero fazer parte desse chapa! Hahaha! Eu acho divertido.
Como o sr. vê a possibilidade de a direita democrática e liberal ter um candidato próprio na eleição, como alternativa a Bolsonaro, ao centro e a Lula e outros candidatos de esquerda?
Sinceramente, acredito que ficar discutindo direita ou liberalismo no momento é um luxo que devemos deixar para a Inglaterra ou para os Estados Unidos. Aqui, o que nós temos é uma casa pegando fogo. Quando a casa pega fogo, você não tem tempo para discutir a decoração. O que precisamos é de pessoas com boa vontade que estejam dispostas a se arriscar e a pegar alguns baldes para tentar aplacar o incêndio. Quando você tem uma casa habitada por uma classe de saqueadores, eles aumentam o incêndio para poderem roubar mais. As pessoas precisam entender que, no fim das contas, essa tarefa de apagar o fogo ficará para nós, pessoas comuns. Então, eu penso que o Brasil precisa acreditar menos na classe política e olhar mais para “nós, o povo”. Foi a política que nos trouxe até aqui.
Eu prefiro acreditar em alguém como o Luciano Huck do que num político carreirista
Qual é a sua visão sobre uma possível candidatura do apresentador Luciano Huck à Presidência e sobre a possibilidade de enfrentá-lo na eleição?
Eu não o conheço pessoalmente. Nunca sentei para conversar com ele sobre o tema. Mas tenho amigos que trabalharam com o Luciano Huck e disseram que ele é um cara correto e bem intencionado. Fora isso, percebe-se pelas suas conquistas que ele é também um cara esperto e bem articulado. É um cara da sociedade civil. Eu prefiro acreditar em alguém com esse perfil do que num político carreirista.
O que o sr. pensa do Partido Novo? O sr. lançaria a sua candidatura pelo Novo, se houver possibilidade?
Eu não ligo para partidos, porque fica muito fácil qualquer partido ser aparelhado. Mas eu acredito na boa vontade do indivíduo e gosto muito do (João) Amoedo (fundador do Novo e candidato à Presidência em 2018). Enxergo nele caráter e sinceridade. É um cara competente e me passa credibilidade. Ele saiu da sociedade civil e não é um político carreirista. A exemplo do Sérgio Moro, ele é um dos poucos que teriam o meu voto.
Quais seriam as suas principais bandeiras numa eventual campanha à Presidência?
A minha principal bandeira é a realidade. Dentro dessa realidade limitadora, eu colocaria os dois pés no chão e procuraria entender tudo o que pode ser feito antes de prometer alguma coisa.
O político deve ser cobrado e fiscalizado, não adorado
O sr. não teme ser encarado como um candidato folclórico, que não seja levado muito a sério, como o Cabo Daciolo, em 2018, e como o comediante Beppe Grillo, do Movimento 5 Estrelas, na Itália?
Quando faço as minhas piadas, os políticos me levam muito a sério, a ponto de eu colecionar pedidos de prisão e de censura vindos deles. Então, na real, eu acho que eles é que temem que a minha candidatura seja levada a sério e não o contrário.
Em 2018, o sr. apoiou a candidatura de Bolsonaro e foi um dos poucos a quem ele deu entrevista, em seu programa no SBT. Agora, o sr. se tornou um crítico duro do presidente. O que o levou a se afastar de Bolsonaro?
Eu jamais apoiei o Bolsonaro. Ao contrário de outros comediantes e artistas, que vestiram camisetas do PT e do PSOL e pediram votos para seus candidatos, vocês não me verão fazendo isso. Se pegarem o registro do segundo turno, vão ver que eu nem fui votar, fiquei em casa. Sim, eu o entrevistei. E convidei todos os demais candidatos para entrevistas e eles negaram. Convidei presidentes passados para entrevistas e também negaram. Foi uma entrevista, não uma campanha. O que eu apoiei, sim, em todo momento, foi uma mudança. Eu sempre fui anti-PT, pois o PT em todos meus anos de atuação cerceou a minha liberdade de expressão e a de colegas, flertou com autoritarismo, sustentou ditaduras, assaltou e afundou a economia do País. Então, sim, eu apoiei uma mudança, queria que o PT deixasse o poder depois de 14 anos no governo. Como o presidente atual prometeu coisas que o levaram ao poder, eu, como cidadão, passei a criticá-lo por não cumprir as suas promessas. É assim que o político deve ser tratado. Deve ser cobrado e fiscalizado, não adorado. No meu Twitter, tem um vídeo fixado de uma entrevista que eu dei antes do Bolsonaro ganhar e isso fica muito claro lá.
Por suas críticas ao presidente e ao governo, o sr. se tornou alvo de linchamentos das brigadas virtuais bolsonaristas, principalmente da ala olavista, nas redes sociais. Foi chamado de “traidor”, “comunista”, “petralha”, “esquerdopata”, “isentão”, e recebeu até elogios da esquerda, que sempre o atacou. Como o sr. analisa a ação da tropa de choque bolsonarista nas redes sociais?
O governo Bolsonaro teria marcado um golaço se tivesse instaurado a CPI da Fake News para investigar a máquina de assassinar reputação do governo anterior. O PT tinha perfis fakes, jornalistas pagos, blogs “sujos” e muita fakes news. Mas o atual governo preferiu montar o seu próprio esquema de assassinato de reputações, em vez de investigar o anterior e no fim ele é que acabou sendo alvo de uma CPI. Esse é o retrato desse governo. Decidiram copiar e piorar tudo o que havia de ruim no governo petista.
O politicamente correto é um Gulag disfarçado de clínica de ioga
Dá para fazer piada sobre Bolsonaro, seus filhos e o governo sem ser xingado e perseguido pela turba bolsonarista?
Não. Não é à toa que sou alvo constante deles.
O sr. já teve discussões com humoristas de esquerda, como Fábio Porchat, Marcelo Adnet e Gregório Duvivier. O que aconteceu? O que acha do trabalho deles?
Eu gosto do trabalho de todos eles. São ótimos comediantes.
Em sua trajetória profissional, o sr. sempre se colocou contra o “politicamente correto”. Por que? De que forma isso influencia o seu trabalho? Qual a sua visão do “politicamente correto”?
O politicamente correto é um Gulag disfarçado de clínica de ioga. E eu não gosto de entrar em algo que promete ser paz e amor e no fim acabar fuzilado. Esse é o meu problema com o politicamente correto.
Estadão