Que comece logo essa Copa e que termine de uma vez, para que, de volta à rotina, possamos avaliar o que está acontecendo no país de forma mais focada. A Copa não tem culpa de nada, mas sem dúvida despertou uma enorme sensação de injustiça e revolta – perdeu quem contava com o povo pacífico de sempre. Esse despertar é positivo, pois só reivindicando é que teremos as necessidades prioritárias atendidas, mas, para atendê-las, os três poderes precisam assumir suas funções com honradez. O que está ocorrendo é justamente o contrário: um desgoverno crescente. Diante disso, as pessoas passam a agir pela própria cabeça e com seus próprios meios.
A onda de linchamentos ilustra esse desgoverno. Provocada pela excitação do momento e pela sensação de impunidade que a ação em bando provoca, acaba-se cometendo crimes atrozes contra suspeitos que não tiveram julgamento nem chance de defesa. Barbárie pura.
Num grau menos violento, mas igualmente perturbador, são os saques que tomaram conta de Pernambuco nos últimos dias – e cito Pernambuco apenas como exemplo recente. Vendo as cenas de transeuntes saindo de lojas carregando o que podiam, fiquei pensando como tudo é uma questão de semântica. O que difere o saqueador de um ladrão? O fato de não ter havido ameaça antes do roubo? De não ter sido um ato planejado, e sim uma ação provocada por uma oportunidade? O direito de propriedade privada deixa de existir caso o movimento seja feito em grupo e não isolado?
Ainda no Nordeste, já aconteceu de estradas terem sido fechadas por moradores das redondezas a fim de promover um “pedágio solidário”: só liberavam o trânsito se o motorista colaborasse com dinheiro ou com produtos para a cesta básica. Caminhoneiros precisavam ceder parte da carga para poder ir em frente, e assim as comunidades eram abastecidas com leite, cereais, remédios, frutas. Carros particulares podiam dar uma quantia em espécie, a critério do gentil doador. Sem uso de arma, tudo muito educado. Uma contribuição “espontânea”.
Há saqueadores de todo tipo. Os de baixa renda reforçam a despensa na beira da estrada, os de alta renda sonegam impostos, e assim cada um vai fazendo justiça à sua maneira. Essa subversão não é consequência da gestão de um partido específico, e sim de uma cultura política que vem apodrecendo há décadas, somada a uma índole nacional que nunca foi exatamente nobre (sermos alegres, hospitaleiros, musicais e bons de bola nos torna simpáticos, mas simpatia não é um valor que, por si só, salve o caráter).
Se antes o “jeitinho” acontecia por baixo dos panos, agora colocamos a cara na janela, deixando claro que não estamos mais dispostos a obedecer nada e a ninguém. Ou o Brasil passa a ser governado com profunda seriedade, ou esse será, infelizmente, o plano mais bem-sucedido da nossa história: o plano B.