Por Josias de Souza – Colunista do UOL
O crepúsculo de Francisco foi marcado por um paradoxo. Presenteou a Igreja com uma lufada de ar puro. E morreu convalescendo de uma asfixiante crise respiratória provocada por uma infecção bacteriana seguida de pneumonia nos dois pulmões. Deixa como legado um dilema crucial para o futuro dos católicos. O sucessor do papa terá que optar entre manter a oxigenação ou abaixar o tapete que Francisco levantou.
O trabalho ficou inconcluso. Francisco não acabou com a corrupção. Mas faxinou o Banco do Vaticano. Não apagou o celibato. Mas iluminou a pedofilia do clero. Não modificou o trecho do catecismo que trata relações homossexuais como antinaturais. Mas autorizou padres a abençoarem uniões homoafetivas. Não extirpou o preconceito. Mas permitiu, sob certas condições, o batismo de transexuais.
Francisco não eliminou o luxo e a pompa. Mas foi pessoalmente austero e reaproximou a Igreja dos pobres. Sob influência do cardeal brasileiro Cláudio Hummes, o argentino Jorge Mario Bergoglio escolheu Francisco como nome do seu pontificado. Não foi uma escolha aleatória.
O jovem Francisco pertencia a uma família nobre e rica da cidade italiana de Assis. Não dava muita bola para a sua classe social. Gostava de passarinhos e flores. Chamava o Sol de “Irmão Sol” e a Lua de “Irmã Lua”. Poeta e místico, gostava de rezar. Diz a lenda que estava numa pequena igreja próxima de sua casa quando ouviu a voz do Senhor: “Francisco, a igreja está caindo!”. Apavorado, correu do desabamento. Deus explicou-se melhor. A igreja que estava caindo não era aquela capelinha, era a Igreja mesmo, como um todo. Havia se distanciado dos pobres.
Francisco criou uma nova ordem. Batizou-a de Ordem dos Frades Menores. Não quis se ordenar padre. Tinha a alma pura dos santos. Mas não se julgava digno do ofício divino. Ao escolher o seu nome, o papa sinalizou que a Igreja precisava de consertos. O DNA da fumaça da Capela Sistina é conservador. Mas o conclave que escolherá o sucessor de Francisco cometerá um grave equívoco se desconsiderar a evidência de que a ainda há muito a ser removido embaixo do tapete.