Preocupadíssimo, Geppetto se postou diante do espelho mágico e indagou:
– Espelho, espelho meu, haverá nariz mais comprido que o de Pinóquio?
– Ah, ah, ah! – riu-se o espelho da ingenuidade do velho marceneiro. – Só no Brasil, meu caro, existem milhares de narizes mais compridos que o de seu filho.
– Não acredito, seu pedaço de vidro estúpido – irritou-se o velho. – E como eles conseguiram narizes tão compridos?
– Mentindo, uai! – respondeu o espelho à moda mineira. – Não foi colecionando mentiras que o nariz de Pinóquio cresceu tanto?
– Tá danado – resmungou Geppetto, e foi bater na porta do filho.
– Pinóquio, meu filho, abre essa porta. Não adianta nada esgoelar!
Dentro do quarto, porta trancada, Pinóquio se derretia em lágrimas. E não era para menos: orgulhoso de seu enorme nariz, conquistado depois de mentir durante anos e anos, não admitia houvesse no mundo mentiroso maior do que ele.
– Abre, Pinóquio – insistiu Geppetto. – Sai daí que te levo pra ver leões comendo cristãos no Coliseu!
Nada. A porta continuava fechada. Continuava a choradeira sem fim.
– Sai daí, meu filho – implorou o velho pai. – Sai que eu te levo pra ver a queda da Torre de Pisa!
Nada. Rios de lágrimas e gritos infinitos.
Foi então que Geppetto teve uma excelente ideia.
UMA IDEIA BRILHANTE
– Se você sair, Pinóquio – prometeu Geppetto –, te levo pra ver os narizes mais compridos do mundo!
Silêncio no quarto. Fungadelas. Mais silêncio. Finalmente ouviram-se barulho de pés se arrastando e suspiros profundos. A porta foi aberta.
Diante dela, diante do velho pai, apareceu um Pinóquio já grisalho, magro como cabo de vassoura, nem de longe lembrando o menino antigo.
– Maiores que o meu? – interessou-se Pinóquio. – Só acredito vendo.
De fato, o nariz do ex-garoto-de-pau era enorme. Suficiente para ganhar prêmio de maior nariz em qualquer país. Menos no Brasil, claro.
Mas Pinóquio não acreditava. Postou-se diante do espelho e indagou:
– Espelho, espelho meu, existe nariz mais comprido que o meu?
– Ah, ah, ah! – riu-se novamente o espelho. – Só no Brasil, meu caro, existem milhares de narizes mais compridos que o seu!
RUMO A BRASÍLIA
Pinóquio empalideceu. “Então era verdade”, pensou. E ele, tão orgulhoso de seu enorme nariz, de suas incontáveis mentiras. Perderia sem dúvida o lugar no Guinness book como recordista mundial. Mas só acreditaria vendo.
– Só acredito vendo – teimou Pinóquio.
Imediatamente Geppetto ligou para a Bruxa Má, administradora do castelo em que moravam todos os personagens dos contos de fada, e requisitou uma vassoura. Não uma vassoura comum, claro, mas uma vassoura mágica, que surgiu diante deles num passe de mágica, lógico.
Confortabilíssima, tinha painel aerodinâmico, rédeas manipuláveis por controle remoto e poltronas reclináveis. Mal se instalaram a vassoura partiu, na velocidade da luz.
– Brasília, garoto! – exclamou Geppetto. – Prepare-se que estamos…
CHEGANDO A BRASÍLIA
… chegando!
E de fato lá estavam, em plena capital federal da república, no saguão da Câmara dos Deputados, que naquele dia votaria temas decisivos para a marcha a ré. Por isso mesmo, e extraordinariamente, se reuniam ali todos os poderes votantes: presidente golpista, ministros arrivistas, deputados oportunistas, senadores farsistas e as múmias do STF, além de incontáveis aspones.
Geppetto e Pinóquio se bestificaram.
– Sim, senhor – extasiou-se o velho marceneiro. – Nunca vi tanto figurão junto!
– Nem tanto nariz comprido – emendou Pinóquio.
Precedidos por dezenas de seguranças parrudos e carrancudos, chegaram os ministros do STF, com sua pose de senadores romanos, mais parecendo urubus.
– Meu Deus – horrorizou-se Pinóquio. – O nariz deles dá o dobro do meu!
Seguiram-se os ministros do governo golpista.
– Fabuloso! – exclamou Geppetto. – O nariz deles dá o triplo do seu!
Em seguida entraram os deputados, dos quais pelo menos 400 tinham o nariz duas vezes maior que o de Pinóquio.
Então vieram os senadores, por ordem de vetustez, sendo que quanto mais velho maior o nariz, medindo cada qual entre três e cinco vezes o de Pinóquio.
Faltava alguém? Ah, sim, faltava o presidente.
E lá vinha o golpista, rodeado por dezenas de aspones e seguranças.
Fantástico!
Diante dele, transportando seu imenso nariz, cuja ponta ficava uns 10 metros na frente da cara, saracoteavam bonitas atrizes de novelas e programas de variedades.
Aplausos intermináveis.
– Ué! – estranhou um dos basbaques aglomerados diante deles. – Não vi entrar o senador Aecim das Neves!
– Não compareceu – disse um segurança bem informado. – O nariz dele, mesmo enrolado e espremido ao máximo, não coube no elevador.