Nomenclatura da principal via de acesso ao Centro é alvo de nova disputa entre vereadores da Capital
Mais delongada que boa parte das obras inacabadas de Porto Alegre, uma discussão sobre o principal acesso à Capital mobilizou a Justiça e voltou a provocar animosidades entre vereadores nas últimas semanas. Discutida desde 2011, aprovada em 2014 e anulada pelo Tribunal de Justiça (TJ) no fim de agosto deste ano, a lei que alterou o nome da Avenida Castelo Branco para Avenida da Legalidade e da Democracia é objeto de nova polêmica. Com caráter mais simbólico do que prático, o debate pode estar longe do fim.
Diferentemente de outros momentos em que a homenagem foi posta em questão, desta vez, a conversa se pautou pelo valor legal do processo que mudou o nome de uma das mais emblemáticas avenidas da cidade. No entendimento da Justiça – provocada pela bancada do Partido Progressista (PP) –, a lei do então vereador Pedro Ruas e da vereadora Fernanda Melchionna (ambos do PSOL) não tem validade porque foi feita pelo rito errado: considerou o número de votos necessários à denominação em um caso que seria de alteração de nome de logradouro. O problema: no primeiro caso, a lei é validada pela chamada maioria simples (quando há mais votos favoráveis do que contrários), enquanto no segundo é necessária aprovação da maioria qualificada (dois terços dos vereadores, ou seja, 24 votos).
Para Pedro Ruas (assim como para o Regimento da Câmara Municipal), porém, um detalhe semântico daria sustentação legal à mudança de nome da avenida: a maioria qualificada é exigida para alteração de nomenclatura oficial – para ser considerado oficial, o nome da via precisa ter sido aprovado na Câmara Municipal, o que nunca ocorreu com a Castelo Branco.
— O texto da lei poderia utilizar denomina ou altera. Como se levou em consideração que o nome foi usado por muitos anos, usamos altera. Mas a palavra não muda o quórum, porque não havia denominação oficial. O que eu vejo nisso tudo é uma vontade de setores conservadores reacionários de voltar a homenagear a ditadura, que eu, não sei como, teve guarida da Justiça — argumentou o hoje deputado estadual.
Assim como os vereados do PP, dois dos três desembargadores que apreciaram o pedido de anulação da lei de Ruas e Melchionna – rejeitada pelos vereadores em 2011 e aprovada três anos depois, com 21 votos favoráveis – entenderam que, pelo uso consagrado e por constar em diversos mapas e documentos do município, Castelo Branco poderia ser considerado o nome oficial da via. E, portanto, a troca de denominação exigiria um procedimento diferente do realizado à época.
A famosa avenida sem nome
Apesar da decisão judicial, por enquanto, a via continua se chamando Avenida da Legalidade e da Democracia. Isso porque, nesta semana, a Câmara Municipal entrou com recurso pedindo que a Justiça reveja a determinação que anula a mudança de nome. A alegação é de que a decisão tomada pela 3ª Câmara Cível do TJ, em 31 de agosto, não foi unânime: foram dois votos favoráveis à nulidade da lei municipal 11.688/14 e um contrário. A Procuradoria do Legislativo pede que a decisão seja tomada por cinco desembargadores – não três.
Caso a solicitação seja rejeitada, o nome da via pode voltar a ser alvo de discussão. Uma vez que a Justiça anulou a lei, mas não recomendou um nome à avenida, a decisão de voltar a chamar a Legalidade de Castelo Branco caberia à Câmara Municipal. Na avaliação estrita do regimento, teria de ser feito um projeto de lei para oficializar o nome da via ou alterá-lo, o que colocaria a nomenclatura no limbo até que os trâmites fossem concluídos – em outras palavras, uma das mais conhecidas vias da cidade ficaria sem nome oficial por um tempo. Por outro lado, levando em conta as considerações judiciais que destacam a incidência do “fato sobre a norma”, poderia-se entender que o nome antigo como oficial e, nesse caso, ela voltaria a se chamar Avenida Castelo Branco.
— Na hipótese de reconhecermos um uso e costume, ela voltaria ao seu nome anterior. O que caberia nesse caso seria, eventualmente, a Câmara Municipal questionar a decisão em uma instância superior. Mas isso não exclui a hipótese do uso e costume. Então, a rigor, a via não ficaria sem nome — avalia Eduardo Carrion, professor titular de direito constitucional da UFRGS e da Fundação Escola Superior do Ministério Público.
Debate interminável
O questionamento sobre o rito que alterou o nome da via não é o primeiro e pode não ser o último imbróglio envolvendo a extensão da freeway que se tornou avenida na inauguração da rodovia, na década de 1970. Há pelo menos seis anos, a nomenclatura da avenida está no meio de um verdadeiro cabo de guerra ideológico: enquanto os vereadores do PP entendem que o nome sugerido pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici à época do regime militar “faz parte da história”, Pedro Ruas e Fernanda Melchionna acreditam que a alcunha antiga tem caráter negativo por “homenagear a ditadura”.
— O que foi consolidado ao longo do tempo não pode ser modificado por razões ideológicas. As vias recebem nomes de figuras emblemáticas, que influenciaram a construção do Brasil e da nossa Capital e podem e devem ser lembradas. Além disso, a mudança de nome significou a descaraterização de um importante ponto de referência para os porto-alegrenses — defende a vereadora Mônica Leal (PP), autora de um projeto que pede a revogação da lei que altera o nome da Castelo Branco, em tramitação na Câmara Municipal.
Gaúchazh