Depois de dois mandatos na Assembleia Legislativa e três na Câmara dos Deputados, Goergen explicou sua decisão de deixar a vida pública para atuar na advocacia empresarial. O deputado queria concorrer a senador na eleição de 2022, mas o PP gaúcho prefere dar a vaga para algum partido aliado, que venha apoiar a candidatura ao governo do Estado do atual senador Luis Carlos Heinze (PP). Apesar disso, nega que tenha se sentido desprestigiado e não descarta a volta à política em 2026 – desde que seja para concorrer ao Senado ou ao governo do Estado.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o parlamentar avalia ainda que o governador Eduardo Leite – que disputa as prévias do PSDB para a escolha do candidato à presidência da República – não soube cultivar a aliança com o PP, que participa do governo. Se tivesse ouvido mais o partido, Goergen acredita que Leite teria garantido o palanque do PP. Diante do afastamento, o apoio à reeleição de Bolsonaro é natural no diretório estadual.
Jornal do Comércio – Como avalia a atuação do governo federal nesse terceiro ano de governo?
Jerônimo Goergen – O Brasil erra muito na forma como conduz o debate político. Perdemos uma grande oportunidade de promover uma união nacional que poderia ter nos dado condições de superar todos os desafios da pandemia, tanto do ponto de vista de saúde pública quanto do ponto de vista econômico. Infelizmente, preferimos um debate ideológico, que já fazemos há alguns anos e que impede o Brasil de avançar mais. Não estamos preocupados em debater o futuro do Brasil. Em vez disso, entramos em uma fase mais ou menos assim: “vou votar nesse, porque no outro não vou votar.” Nessa polarização, não enxergamos os defeitos dos dois. E essa discussão está atrasando a retomada do País.
JC – Se não fosse a polarização, acredita que o Congresso já poderia ter votado as reformas administrativa e tributária?
Goergen – É. O governo também deveria ter mais de convicção da proposta dele (de reformas). (No caso da reforma tributária) os últimos governos estão mais preocupados em arrecadar do que propriamente fazer a reforma. É claro que, nesse ano, houve um gasto a mais em razão da pandemia. Mas, se tivéssemos um pouco mais de pacificação, o planejamento e a articulação política teriam sido diferentes.
JC – O que gostaria que tivesse andado melhor?
Goergen – Uma reforma administrativa bem feita e uma consequente reforma tributária. Nenhuma reforma tributária será boa se não reduzir o tamanho do Estado. E, como não fizemos uma boa reforma administrativa, também não faremos uma boa reforma tributária. Essas reformas poderiam diminuir o custo do Estado na vida dos cidadãos. Mas o Imposto de Renda, da forma como esta, é uma proposta ruim; a reforma tributária não vai existir, vai ser alguma outra coisa que fica longe do ideal.
JC – O que achou da carta do presidente Bolsonaro, com intermediação do ex-presidente Michel Temer (MDB), apaziguando o atrito entre os Poderes e as ameaças de golpe?
Goergen – Temer fez uma coisa boa, mas eu preferia que Bolsonaro tivesse tido essa lucidez. Bolsonaro perdeu uma grande chance de mostrar a força do apoio popular. Ele deveria ter vindo a Brasília (no 7 de setembro) para mostrar: “olha, tenho o apoio popular, então vamos negociar uma unidade para superarmos os desafios e resolver os excessos de cada Poder”. Em vez disso, ele acabou fazendo diferente, bateu em todo mundo, e (se não fosse a carta) iria prejudicar o Brasil, porque o Supremo Tribunal Federal teria que tomar decisões que não eram as ideais, que gerariam problemas institucionais.
JC – O senhor é o relator do projeto que prorroga para 2026 a desoneração da folha. Tem chance de passar neste ano ainda?
Goergen – Precisa passar. Se não passar, vai custar R$ 800,00 a mais para cada trabalhador no ano que vem. E isso é muito perigoso.
JC – O senhor tem trabalhado na articulação do projeto que cria a Zona Franca da Uva e do Vinho. Tem chance de passar até o final do mandato?
Goergen – O (deputado federal) Carlos Gomes (PRB) e eu somos os autores do projeto que desonera o setor da uva e do vinho. O imposto será reduzido para esse setor, aumentando a competitividade dele. Na semana passada, até conversei com o (presidente da Câmara dos Deputados) Arthur Lira (PP-AL) para pedir urgência. Mas, se fizéssemos uma reforma administrativa que criasse um ambiente favorável a uma boa reforma tributária, a gente entenderia que essa seria a solução. Esse projeto da Zona Franca da Uva e do Vinho existe, justamente, porque esse país é tão desorganizado tributariamente que penaliza alguns setores. Esses setores, por sua vez, deixam de serem competitivos. É uma visão burra, porque, ao cobrar todo esse imposto sobre cigarros, vinho e bebidas (alcoolicas), o Estado deixa de arrecadar e estimula o ilegal. Na pandemia, foi uma loucura o que veio de vinho contrabandeado de fora. O Estado deixou de arrecadar, deixou de gerar emprego.
JC – Desde o início do governo Bolsonaro, foram liberados mais 1.411 agrotóxicos no Brasil. Como representante do agronegócio na Câmara dos Deputados, qual a sua avaliação sobre isso?
Goergen – Fico muito feliz que o Brasil tenha avançado nos registros. Muitos dizem assim: “Bah, mas nunca se registrou tantos defensivos”. Eu me preocupava mais quando não registravam, e o produtor acabava trazendo de maneira irregular. O que significa o registro de um defensivo? Que ele tem segurança ambiental, segurança alimentar, segurança de saúde pública. Então, quanto mais registros de defensivos fizermos, mais seguro é o uso deles. Acho que isso é um avanço importantíssimo, um marco do atual governo. Os outros proibiam, e os produtores, muitas vezes, tinham que trazer de maneira ilegal. Isso fez com que, hoje, no Rio Grande do Sul, tenhamos 30% do mercado de defensivos ilegal.
JC – Aqui no RS, a aprovação do projeto do governo Leite, que liberou os agrotóxicos que não tem registro nos países de origem, também foi um avanço?
Goergen – Com certeza, temos que entender que o que é público é transparente, é mais seguro. Ninguém vai deixar de produzir, todo mundo precisa comer. Se um governo míope não enxerga o que os outros países enxergaram, ele (o produtor) vai trazer. O defensivo é a maior enxada, o maior instrumento da produção de alimentos. Precisa, não adianta. Você pode até não gostar, mas aí você compra orgânicos, que têm um valor agregado maior, que têm nichos de mercado. Mas o mundo, em escala, precisa comer e, sem o defensivo, não produz nada. Então, é melhor que seja seguro.
JC – O senhor anunciou que não vai concorrer a nenhum cargo eletivo em 2022. Por quê?
Goergen – Sempre entendi que o bom para a sociedade e para o político, tanto na esfera estadual quanto na federal, seriam dois mandatos como deputado estadual e dois como deputado federal. Depois disso, ou vai para frente ou para casa. Acabei tendo que ir para um terceiro mandado na Câmara dos Deputados, porque, como cheguei ao segundo mandato federal com apenas 41 anos, não tive chance de concorrer em uma chapa majoritária (a senador, vice-governador ou governador). Agora, coloquei meu nome à disposição do partido para concorrer ao Senado, já que Heinze será o candidato ao governo do Estado. E tem meu apoio, sem problema.
JC – O partido vetou o seu nome ao Senado?
Goergen – O partido entendeu que a melhor estratégia é oferecer a vaga ao Senado para outro partido que venha a se aliar conosco (na eleição de 2022, em torno do nome de Heinze). Só não sei quais são os partidos que poderão somar na chapa. Acredito que meu nome poderia somar, porque foram cinco mandatos, sou um homem de direita… Mas o partido disse que não podia decidir, então, me senti liberado para seguir o rumo da minha vida. Até porque, para deputado, não concorrerei mais. Esse ciclo já se encerrou, são 20 anos, a sociedade precisa se renovar, e o mandato de deputado não deve virar emprego, como acontece em alguns casos.
JC – O senhor é uma das principais lideranças do PP gaúcho. Se sentiu desprestigiado por não ter a vaga ao Senado?
Goergen – Não. Acredito que sou o melhor deputado do PP do Brasil. Até acho que sou o melhor deputado da Câmara. Mas não adianta eu achar isso. Quem tem que perceber isso é a sociedade, o partido. Nesse momento, o partido tem outra estratégia. Talvez, lá na frente, eles percebam: “bom, era melhor ter botado o Jerônimo”. Mas eles não me traíram, não fizeram sacanagem comigo. Eu é que talvez não tenha tido competência para me colocar como candidato inquestionável, como é inquestionável o nome de Heinze ao governo, como é inquestionável a estratégia de dar a vaga ao Senado para outro partido. Mas não há mágoa.
JC – Se, nos próximos meses, o PP perceber que o senhor é o melhor nome para concorrer ao Senado, concorreria?
Goergen – Talvez, lá em abril, o partido perceba que não encontrou um candidato ao Senado com a mesma situação que a minha. Aí vai me procurar: “Jerônimo, não achamos outro nome, vai tu (ao Senado)”. Bom, eu disse ao partido que queria concorrer a senador. Mas queria concorrer para ganhar a eleição. Por isso, coloquei o meu nome à disposição ainda em janeiro. Respeito a estratégia do partido, vou apoiar o senador que eles indicarem, vou fazer campanha para a chapa majoritária. Mas não me chamem na última hora, para preencher bucha de canhão. Eu seria candidato para vencer. Para cumprir carnê, não. Por isso, tomei minha decisão (de não concorrer em 2022) com bastante antecedência, para que ninguém imagine que eu fiz isso por “charminho”.
JC – A decisão de sair da vida pública é definitiva?
Goergen – Por ora, vou trabalhar na iniciativa privada. Sou advogado especializado em Direito Empresarial. Minha decisão de trabalhar com isso nos próximos anos é irrevogável. Em 2026, é outro jogo. Se eu continuar com alguma visibilidade na iniciativa privada, para que lembrem de mim para o governo do Estado ou para o Senado, estarei pronto em 2026.
JC – Considerando que o governador tem chance de ser o candidato do PSDB ao Planalto, para quem o senhor acha que a candidatura do PP ao Piratini deveria dar palanque: a Leite ou a Bolsonaro, com quem o senador Heinze tem bastante proximidade?
Goergen – Eduardo cometeu um erro na política ao longo do seu mandato: embora o PP esteja no governo, ajude o governo, nunca foi um partido ouvido. (Se tivesse ouvido o partido) agora talvez ele pudesse ter, ao natural, o apoio ao PP gaúcho. Mas ele é um cara que respeito muito, é um jovem sério, que fez um bom governo. Por outro lado, Bolsonaro tem uma relação natural com o PP. Inclusive, ele já foi filiado ao PP. Então, a tendência é o partido acompanhar Bolsonaro.
JC – Nesse caso, o PP não vai dividir votos com a possível candidatura ao Piratini do ministro Onyx Lorenzoni (DEM), também ligado a Bolsonaro?
Goergen – Considero um erro ter Onyx e Heinze em candidaturas diferentes, buscando esse eleitor. O ideal seria um concorrer a governador e o outro, a senador Mas parece que já não dá mais para construir. O segundo turno será um grande desafio, porque o candidato do Bolsonaro terá todos os outros, do centro e da esquerda, como o seu opositor. Por isso, que uma boa construção daria mais viabilidade a essa candidatura. As prévias do PSDB e a decisão do (ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Bolsonaro) Sergio Moro (sobre concorrer à presidência) são duas situações muito importantes para sabermos se pode ou não haver uma terceira via. Acredito que Moro não ganha a eleição, mas tira muitos votos de Bolsonaro. E Eduardo tira votos dos dois lados, mas não sei se será o suficiente para ganhar a eleição. Hoje, vejo a eleição disputada entre Bolsonaro e Lula.