Apesar de ter triplicado gastos com segurança entre 2005 e 2014, Estado teve crescimento nos assassinatos
18/02/2015 | 04h03
O Rio Grande do Sul vive uma guerra civil não declarada. Entre 2005 e 2014, o Estado triplicou os gastos com segurança pública, mas os assassinatos aumentaram de 1.391 para 2.346 (68,6%). No mesmo período, a população gaúcha cresceu 3,3%. A taxa chega a 20,9 crimes por 100 mil habitantes. Segundo a Organização das Nações Unidas, índice acima de 10 é considerado epidemia de mortes.
O Carnaval do ano passado, com 34 mortes, ajudou a elevar a estatística de março de 2014, o mês mais sangrento da década. Este ano, foram assassinadas 23 pessoas em cinco dias de folia no Estado. A escalada da violência ganha impulso com o avanço do comércio de entorpecentes. Desde 1994, quando o crack desembarcou na Serra, o tráfico se consolida como carro-chefe da criminalidade.
Em Porto Alegre, 80% dos homicídios têm algum tipo de relação com entorpecentes, seja por dívidas, disputas por bocas de fumo ou simples rixas. Um estudo acadêmico produzido pela bacharel em Direito Giulia Galant Furtado revela que sete em cada 10 vítimas de homicídios têm antecedentes criminais.
Em números absolutos, a Capital somou 571 homicídios em 2014, aumento de 67% em 10 anos — terceiro no ranking do Estado, considerando taxa por 100 mil.
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Há quem se sinta alheio a essas mortes por entender que são desavenças entre bandidos, mas o fenômeno é mais complexo.
— Muitos cidadãos de bem vivem em áreas de tráfico expostos a conflitos e a bala perdida — diz o delegado Paulo Rogério Grillo, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa.
Há três anos, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) convocou uma força-tarefa, formada por policiais civis e militares recrutados em diferentes partes do Estado, para tentar conter as mortes nos 10 municípios que concentravam 65% dos homicídios.
O trabalho, temporário, surtiu efeito apenas passageiro.
Porto Alegre fechou 2014 com 24,4% a mais de mortes do que em 2013. Até o projeto Territórios da Paz, a principal bandeira da política de segurança, colheu frutos amargos — parte disso porque verbas prometidas por Brasília foram reduzidas em razão de cortes orçamentários. Nos quatro bairros onde funciona o programa — Lomba do Pinheiro, Restinga, Rubem Berta e Santa Tereza —, as mortes aumentaram 27,1%.
Cidades ganham delegacias especiais
Desde 2013, a Polícia Civil conta com 14 novas delegacias especializadas nas cidades mais violentas — na Capital, passou de duas para seis — mas o objetivo principal ainda não foi alcançado.
A promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari, desde 2004 atuando na 1ª Vara do Júri da Capital, se diz estarrecida com o crescimento dos assassinatos. Para ela, a disparada está vinculada a questões como legislação penal branda, superlotação das cadeias e dificuldades de identificar e punir os autores. A maior parte dos assassinatos não tem testemunhas ou as pessoas se negam a falar.
O juiz Maurício Ramires, da 1ª Vara do Júri da Capital, evita falar sobre o regime de cumprimento de penas, mas concorda que a ampliação da estrutura seria bem-vinda em todas as áreas da Justiça. Ramires entende que ainda é cedo para cobranças da área policial.
Ano começa com dobro de mortes
Porto Alegre entrou 2015 abaixo de tiros. Foram 64 homicídios em janeiro, 42,2% acima do registrado no primeiro mês do ano passado. Desavenças por causa das drogas estão no epicentro dos assassinatos.
Uma em cada quatro mortes aconteceu em áreas de tráfico intenso, como Vila Maria da Conceição, no bairro Partenon, e Beco dos Cafunchos, no bairro Agronomia. Nesses locais, as mortes mais do que dobraram, se comparadas com janeiro de 2014.
Na Conceição, o motivo seria a execução de um familiar de Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão. No Beco dos Cafunchos, fulminaram aliados do traficante conhecido como Tereu, suposto mandante da execução de outro patrão das drogas, Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, morto em Tramandaí, no Litoral Norte.
— Janeiro foi bem conflagrado. Trabalhamos para esclarecer crimes e prender os autores. Serve como exemplo, como medida profilática para diminuir a sensação de impunidade. Mas não é só investigar. É necessário um conjunto de medidas para combater o tráfico e o desarmamento. Precisamos de mudança na lei, com união de esforços de todos os protagonistas da segurança pública — afirma o delegado Paulo Rogério Grillo, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa.
Março passado foi o mais trágico
A série histórica com números da criminalidade no Estado organizada pela Secretaria da Segurança Pública aponta que março de 2014 foi o mês mais violento desde 2002, primeiro ano com dados disponíveis pelo governo gaúcho. Foram 236 homicídios, média de sete a cada 24 horas.
Uma das razões pode ser o Carnaval, até 5 de março, quando ocorreram 34 assassinatos, superando anos anteriores. O março vermelho de 2014 registrou, além de assassinatos provocados por brigas de tráfico, mortes por discussões e por brigas familiares.
Rio e São Paulo obtêm melhorias
O crescimento dos homicídios é um fenômeno nacional. O último Mapa da Violência, produzido pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais, com dados entre 2002 e 2012, apontou aumento de 18,4% no país, com avanço das mortes na maioria dos Estados — alguns com índices até mais elevados do que no Rio Grande do Sul.
Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina registraram elevações pouco significativas. Enquanto Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo conseguiram reverter essa lógica.
Estatística mais atual mostra que São Paulo, o mais rico e populoso Estado brasileiro, está vencendo a guerra dos homicídios. De 2005 a 2014, os assassinatos despencaram 39,3%, atingindo taxa de 9,7 casos por 100 mil habitantes. Entre as ações de repressão, destacam-se a criação de delegacias de homicídios em todo o Estado, inauguração de 41 presídios e apostas em tecnologia policial. Os investimentos cresceram sete vezes da década de 1990 até 2012.
No Rio de Janeiro, terceiro maior Estado em população, o número de mortes caiu 25,4% no mesmo período. A instalação de UPPs — Unidade de Polícia Pacificadora — em 38 áreas de conflitos é apontada como a principal medida para frear os assassinatos.
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