Aumentos salariais para segurança pública, previstos para maio e novembro, poderiam ser pagos em outra data porque o Executivo não tem certeza de que terá dinheiro
06/04/2015 | 05h05
O impacto dos reajustes salariais do funcionalismo nas contas do Estado pode levar o Palácio Piratini a comprar mais uma briga política nos próximos meses, além da ameaça de parcelamento da folha. Nos bastidores, está em avaliação a possibilidade de adiar os aumentos destinados a servidores da segurança pública, previstos para maio e novembro deste ano, cujos custos para os cofres públicos ultrapassam R$ 400 milhões.
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Na comparação com 2014, os gastos com pessoal e encargos sociais sofrerão elevação de no mínimo 14,3% até dezembro. O percentual inclui o crescimento vegetativo da folha e os aportes aprovados na gestão passada — inclusive o aumento concedido em novembro ao magistério, que só este ano exigirá mais R$ 620 milhões do Tesouro estadual.
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Sem ter certeza se conseguirá pagar tudo isso em dia, o governo estuda alternativas. Fontes ligadas à cúpula do Piratini afirmam que uma das hipóteses é abrir a mesa de negociações para tentar reprogramar os benefícios assinados pelo então governador Tarso Genro.
Para tanto, o Executivo teria primeiro de sensibilizar servidores da Brigada Militar, Polícia Civil e Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) para a gravidade da crise. Depois, teria de convencer deputados estaduais a aprovarem mudanças na legislação.
A mera suspensão é menos provável, porque poderia gerar um passivo no futuro e aprofundar o rombo — tal qual o originado em razão das Leis Britto (reajustes não pagos que depois acabaram engrossando a dívida em precatórios).
Na ponta do lápis, a economia de cerca de R$ 400 milhões neste ano seria suficiente para cobrir o rombo de apenas um mês — o déficit total do Estado pode chegar a R$ 5,4 bilhões em 2015. Mesmo assim, o economista Fábio Pesavento, da ESPM-Sul, acredita que a briga pode valer a pena.
— O Estado está quebrado, não tem como arcar com todas essas despesas. Sem contar que uma medida como essa, apesar de desagradar ao funcionalismo, seria uma sinalização para a sociedade que o Estado está fazendo a sua parte — diz Pesavento.
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Secretário da Fazenda no governo Tarso, o economista Odir Tonollier discorda e considera improvável que Sartori leve adiante a controvérsia. Segundo ele, "o parcelamento foi feito em termos razoáveis", em resposta a uma antiga demanda dos funcionários públicos, cujos salários estavam defasados havia anos.
— Nós sempre apostamos em uma postura de evitar conflitos com os servidores e de fazer o Estado funcionar. Não acredito que a atual gestão tentará suspender os reajustes, até porque a tendência é de que as categorias continuem pressionando por mais recursos — diz Tonollier.
Procurado por ZH, o atual secretário da Fazenda, Gioviani Feltes, informou por meio de sua assessoria de imprensa que não comentaria o assunto.
Servidores resistem à possibilidade de negociação
A hipótese de adiamento dos reajustes preocupa representantes das categorias que seriam afetadas pela medida, tanto quanto a ameaça de atraso nos salários, que levou muitas delas à Justiça em março. Se o governo decidir avançar, enfrentará forte resistência dos servidores.
Presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Brigada Militar (Abamf), Leonel Lucas argumenta que os policiais gaúchos continuam com "o pior salário do país" e, por isso, não há margem para negociação.
— Como o governo anterior dizia que dava para pagar e agora não dá mais? Não entendo. Nós não vamos aceitar isso — afirma Lucas.
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Na sede da Associação dos Oficiais da BM, em Porto Alegre, o coronel Marcelo Gomes Frota também adianta a posição da categoria: não abrirá mão dos ganhos. Os percentuais negociados, segundo ele, correspondem apenas à inflação.
— Queremos contribuir para uma segurança pública melhor, mas estamos na expectativa legítima de receber a nossa reposição — afirma Frota.
Isaac Ortiz, presidente do Sindicato dos Agentes da Polícia Civil (Ugeirm-Sindicato), classifica a hipótese em análise como "absurda". Ele diz que conversou com o governador José Ivo Sartori durante a campanha eleitoral e que recebeu dele a garantia de que não suspenderia os reajustes.
— Mesmo que o governo tente rever o parcelamento, acho muito difícil a Assembleia aprovar — diz Ortiz.
A posição é compartilhada pelo presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado (Amapergs), Flávio Berneira Júnior. O presidente da Associação dos Delegados do Rio Grande do Sul, Wilson Müller, evita polemizar.
— Se eventualmente essa possibilidade avançar, vamos lamentar. Mas, no momento, nossa posição é de aguardar. Costumo dizer que temos de encarar cada angústia no seu tempo — afirma Müller.
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