Medidas mal arranjadas, como o pacote de Dilma fracassado em junho do ano passado, ajudam a manter na rua grupos como o Black Bloc. Legislativo falha ao intermediar diálogo entre governo e movimentos sociais
Rio: Black Bloc causa tumulto e quebra quebra na Rua das Laranjeiras nesta terça (27/8) (Pedro Kirilos/Agência O Globo)
Das avenidas lotadas de junho do ano passado, pouco restou. E os manifestantes que persistiram na marcha são, em grande parte, os mais radicais, dispostos inclusive a enfrentar a polícia e a promover ações como a que matou Santiago Andrade, atingido por um rojão lançado por dois mascarados. A ação criminosa que resultou na morte de um inocente é injustificável, e derrubou definitivamente o conceito de que a violência nos atos públicos é exclusiva da polícia. A quatro meses da Copa do Mundo, não há razões para crer que os protestos vão se tornar menos violentos, e a fórmula explosiva do cenário que se desenha para as capitais do evento repete em muito o que se viu no início da revolta: grupos interessados em estimular ações tumultuadas e incapacidade dos governos de entender e atender os manifestantes.
A maior mudança desde que eclodiram as manifestações pode vir agora, na forma de regras mais duras contra os atos que descambam para a baderna – algo que nem de longe serve de garantia para aplacar as investidas de quem quer criar tumulto. A rigor, o Brasil de junho de 2013 será praticamente o mesmo em 2014, depois da mal arranjada tentativa do governo federal de resolver todos os pleitos dos manifestantes com um “pacotão” anunciado pela presidente Dilma Rousseff – algo que não foi à frente – e alguns recuos momentâneos. No Rio de Janeiro, em especial, o movimento de agora parece um problema descongelado após oito meses: o aumento das passagens de ônibus.
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“É evidente que a tarifa de ônibus precisa de reajuste periódico", avalia o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio. "Mas falta ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, dar mais transparência ao custo das empresas de ônibus. O aumento de agora provoca uma nova onda de protestos. Falta mais negociação e mais prestação de contas. Se quisermos diminuir os protestos, as instituições têm que funcionar. Dizer que os transportes públicos só vão melhorar em 2016 (como fez o secretário de Transportes do município, Carlos Roberto Osório) não é resposta”.
Há, segundo Ismael, uma lacuna que as casas legislativas simplesmente não conseguem preencher como deveriam. “A perspectiva revolucionária só diminui se as instituições polícias atuam de forma adequada. Não adianta trabalhar acreditando que o governo vai dizer e vai ser obedecido. O Legislativo deveria fazer essa intermediação entre governo e sociedade, mas a Assembleia Legislativa do Rio e a Câmara de Vereadores não cumprem esse papel”, critica.
Para o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, os governos municipal e estadual das regiões onde ocorreram grandes manifestações “brincam com fogo”. “Desde junho, nada mudou", diz. "Ironicamente, quem foi mais ativo nessa área foi o presidente do Senado, Renan Calheiros, que botou em votação projetos de lei que estavam aguardando tramitação, como o que transforma corrupção em crime hediondo. Para mostrar serviço, ele misturou reivindicações de várias partes há muito tempo. Mas só apareceu esse tipo de coisa. O Legislativo perde progressivamente a capacidade de representar a população, e só dialoga com governadores e prefeitos. As manifestações tomaram essa dimensão e esse formato, em parte, porque nosso país não tem organização suficiente fora da política tradicional”.
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A morte de Santiago Andrade funcionou como um gatilho para desengavetar medidas que estavam paradas desde que os protestos se arrefeceram e, no Rio de Janeiro, os governos estadual e municipal passaram a tatear no escuro em uma loja de cristais, evitando ao máximo movimentos que pudessem deflagrar um novo levante. O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, levou ao Senado um projeto que tipifica o crime de desordem. Também entrou em tramitação um projeto do senador Romero Jucá (PMDB-RR) que define o crime de terrorismo – e enquadra, entre as ações consideradas terroristas, boa parte dos atos perpetrados atualmente por grupos como o Black Bloc.
Ismael considera exagerada a criação de uma lei nesse sentido. “Os acusados de matar o cinegrafista podem pegar até 34 anos de prisão", afirma. "É a prova de que existe punição dura. Sou radicalmente contra a ideia de aprovar uma lei antiterror. Uma leia antiterrorismo terá aspectos subjetivos e dará muito poder à polícia. As leis atuais são suficientes para coibir as manifestações”.
Eleições – Entre as bandeiras dos manifestantes radicais está, com frequência, a que rejeita o voto, por não crer que o processo eleitoral e as instituições sejam instrumentos capazes de atingir “a mudança” – algo que expõe o caráter golpista de grupos como os black blocs. É no plano eleitoral, no entanto, que está uma das batalhas de agora. Depois de passarem metade de um ano usufruindo da proximidade com as manifestações, partidos de esquerda como PSOL, PSTU e alas do PT se viram encurralados. A morte do cinegrafista é a prova de que há ações criminosas dentro dos grupos radicais manchou de sangue algumas bandeiras.
O PSOL é, até o momento, o mais atingido, com a comprovação de que dois vereadores do Rio – Renato Cinco e Jefferson Moura – fizeram doações para um evento organizado por manifestantes em frente à Câmara Municipal e com a ligação de funcionários do gabinete do deputado estadual Marcelo Freixo com a defesa de detidos em protestos. Nos dois casos não há ilegalidade. Existe, e isso é inevitável, um desgaste político de dimensão ainda desconhecida. “Ninguém se beneficia", constata Abramo. "Os organizadores [dos protestos] não tiveram capacidade de transformar isso em algo mais sólido. Deixaram de expelir os baderneiros”.
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