Palácio Piratini, a sede do governo Gaúcho.
G1 RS
O atraso no pagamento dos funcionários públicos e o calote na dívida com a União escancaram a atual crise financeira do Rio Grande do Sul. E também levaram muita gente a se perguntar como um estado rico, que tem o quarto maior PIB do país, virou a “Grécia brasileira”?
Segundo economistas consultados pela reportagem, a resposta é simples: nas últimas quatro décadas, o governo gaúcho gastou mais do que arrecadou em praticamente todos os anos. O saldo negativo foi aumentando, os juros viraram uma bola de neve e não há mais de onde tirar dinheiro para pagar as contas.
O déficit histórico nas contas públicas, porém, não é o único responsável pela crise. Segundo especialistas, o Estado só conseguirá sair dela se resolver questões como a renegociação da dívida com a União, o elevado custo da folha de pagamento e o rombo da Previdência.
Abaixo, entenda a crise gaúcha em perguntas e respostas:
Qual é a atual situação financeira do Rio Grande do Sul?
A crise financeira do Rio Grande do Sul é considerada sem precedentes pelo governo gaúcho. Sem dinheiro no caixa, o estado já não consegue mais pagar os salários do funcionalismo em dia e é obrigado a pedalar contas para os meses seguintes, como a dívida com a União.
Segundo estimativa da Secretaria Estadual da Fazenda, o Rio Grande do Sul deve fechar o ano de 2015 com um rombo de R$ 5,4 bilhões nas contas. Ou seja, esse é o montante que falta para cobrir a diferença entre o que o estado gasta e o que ele arrecada.
Mensalmente, as despesas são 22,5% maiores do que o que as receitas. Isso significa que, a cada mês, faltam cerca de R$ 400 milhões nos cofres do governo. Sem ter mais a quem recorrer para tapar esse buraco, o estado teve que atrasar o pagamento do salário dos servidores em julho, dividindo o pagamento em três parcelas. Faltaram cerca de R$ 360 milhões para completar a folha líquida mensal de R$ 950 milhões.
Além do desequilibrio nas finanças, o estado também está atolado em dívidas. Em junho, a dívida pública total chegou a R$ 61 bilhões, segundo o economista Liderau Marques Junior, da Fundação de Economia e Estatística (FEE). O valor é mais do que o dobro da receita líquida anual. Só a dívida com o governo federal é de mais de R$ 50 bilhões e consome 13% do orçamento todos os meses. O restante inclui precatórios (cerca de R$ 8 bilhões) e empréstimos.
Como o Rio Grande do Sul chegou a essa situação?
A crise financeira atual começou há cerca de 40 anos, segundo especialistas. O governo do Rio Grande do Sul gastou mais do que arrecadou em 37 dos últimos 44 anos, entre 1971 e 2014. O saldo negativo foi se acumulando, e o valor da dívida também. Só entre 1970 e 1998, quando foi renegociada, a dívida gaúcha cresceu 27 vezes.
A folha de pagamento do estado também aumentou consideravelmente nos últimos anos. Conforme a Secretaria da Fazenda, o valor gasto com o funcionalismo saltou de R$ 8,5 bilhões em 2005 para R$ 24,7 bilhões previstos em 2015, entre salários e encargos. Hoje, o estado gasta 75,5% da receita com a folha, incluindo servidores ativos, aposentados e pensionistas.
O aumento do endividamento e da folha, porém, não foi acompanhando pelo aumento das receitas. O orçamento para 2015 previa crescimento de 16,7% de arrecadação em relação ao ano passado, mas no primeiro semestre do ano houve queda de 2,5%.
De acorco com economistas, o fraco desempenho da economia no país, com previsão de queda de 1,8% no PIB, também afetou as finanças gaúchas e tornou a crise ainda mais grave: se as empresas vão mal, o estado recolhe menos Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), uma de suas principais fontes de receita.
E por que o Rio Grande do Sul não faliu até agora?
Para fechar as contas ao longo dessas quatro décadas, os governadores gaúchos recorreram a empréstimos, privatizações, venda de patrimônio, saques do caixa único e saques dos depósitos judiciais, que são os pagamentos feitos em juízo até a conclusão de uma disputa na Justiça.
Nos últimos anos, mais de R$ 8,5 bilhões foram retirados das contas do Judiciário, atingindo o limite 85% de uso desses recursos previsto em lei. Os cofres do estado também secaram. Os quatro últimos governos retiraram R$ 11,8 bilhões do caixa único. Em seis meses, o governo atual já sacou mais de R$ 1 bilhão para pagar contas.
Na prática, era como se o estado viesse financiando o saldo negativo com o limite do cheque especial e do cartão de crédito. O problema é que essas e outras alternativas de financiamento se esgotaram e agora o estado não tem de onde tirar dinheiro para pagar as despesas. O Rio Grande do Sul também não tem mais margem de financiamento e não pode contrair empréstimos.
“Sempre teve uma saída, mas agora não tem mais. Acabaram todos os recursos extras e o déficit aumentou”, resume o economista Darcy Carvalho dos Santos, professor da UFRGS aposentado e um dos principais especialistas em finanças públicas do estado (veja a entrevista no vídeo).
Por que o estado deu “calote” na dívida com a União?
Sem dinheiro no caixa para pagar os salários dos servidores, o governo do Rio Grande do Sul vinha atrasando o pagamento da parcela da dívida com o governo federal desde abril. Com isso, o
estado conseguia mais prazo para pagar as contas do mês. A quitação do débito, no entanto, nunca passava do 10º dia útil do mês, a data limite prevista no contrato.
Na terça-feira (11), o governo optou por antecipar o pagamento integral do salário do funcionalismo do mês de julho – que havia sido parcelado em três vezes –, em vez de pagar a dívida com o governo federal. O governo tomou a decisão para amenizar o descontentamento dos servidores, que ameaçavam parar os serviços públicos, mesmo sabendo das possíveis consequências.
No mesmo dia, a Secretaria do Tesouro Nacional bloqueou a conta do Rio Grande do Sul e sequestrou cerca de R$ 60 milhões que estavam nela. A medida está prevista no contrato da dívida em caso de não pagamento, assim como a suspensão de repasses federais, entre eles o Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Com isso, o estado perdeu a capacidade de administrar suas contas até que a dívida seja liquidada. O bloqueio da conta vai vigorar até que o governo federal obtenha cerca de R$ 265 milhões, que corresponde ao valor da parcela da dívida em julho. Até a sexta-feira (14), R$ 231 milhões já haviam sido retomados pela União.
75,5% da receita é gasta com
a folha de pagamento
Cerca de R$ 280 milhões é a parcela mensal da dívida
da Previdência em 2015
O que o atual governo tem feito para combater a crise?
Até agora, o governo tem se concentrado no corte de gastos. As medidas incluemsuspensão do pagamento a fornecedores e de nomeação de novos funcionários públicos, redução de 20% das despesas em todas as secretarias e o corte de 35% nos cargos em comissão (CCs).
Na semana passada, o governo enviou um pacote de projetos à Assembleia Legislativa, na chamada terceira fase do ajuste fiscal, no qualpropõe a criação de previdência complementar para futuros servidores públicos, além de extinção de três fundações estaduais, entre outras medidas.
O governo estuda ainda fazer concessões à iniciativa privada e aumentar impostos. Nos próximos dias, deve ser enviado à Assembleia Legislativa um projeto de lei que prevê aumento da alíquota básica do ICMS de 17% para 18% e aumento de 25% para 30% do tributo sobre gasolina, álcool, telecomunicações e energia elétrica.
Como a crise financeira afeta a população?
Os servidores públicos estaduais, que receberam o salário de julho de forma parcelada, até agora foram os mais afetados pela crise. Segundo o governo, a perspectiva para os próximos meses não é diferente e novos atrasos na folha de pagamento são prováveis.
Mas a crise financeira também afeta a população em geral. Policiais civis e militares, professores e demais funcionários públicos reagiram com paralisações e operações-padrão ao parcelamento de salários, prejudicando a prestação de serviços públicos. Além disso, atrasos em repasses de verbas, principalmente para hospitais, prejudicam a saúde nos municípios.
Caso seja aprovado pelos deputados estaduais, o projeto de aumento de impostos também vai tornar produtos e serviços mais caros e ter impacto no bolso do consumidor. Quem hoje gasta R$ 100 com a conta de luz, com aumento do ICMS, vai passar a gastar R$ 107,14, por exemplo.
Quais as possíveis soluções para a crise?
O governo não estabelece prazo para sair da crise, mas diz que o processo para reequilibrar as finanças do estado serão longo. Para os economistas, são poucas as alternativas a curto prazo. “A solução a curto prazo, com menos desgaste para o governo e para a sociedade, seria um socorro do governo federal. E retomar a trajetória de superávit primário [o dinheiro que “sobra” nas contas do governo depois de pagar as despesas, exceto juros da dívida pública]”, diz Liderau Junior.
O professor titular da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Fernando Ferrari Filho, diz que o estado precisa reduzir o custo da máquina pública e o gasto com servidores inativos, além de tentar renegociar a dívida com o governo federal. “Não só o Rio Grande do Sul, mas todos os estados têm dificuldade com o fechamento de caixa. Eles poderiam se articular para propor a renegociação do custo da dívida. E torcer para que a economia volte a crescer", opina.
Já Darcy Francisco dos Santos acredita que um dos principais problemas do estado é o rombo da Previdência, que chega a R$ 7 bilhões anuais. Hoje, para cada 100 servidores da ativa, o estado tem 120 aposentados e pensionistas. “Nós gastamos R$ 10 bilhões com a Previdência. Isso equivale a 30% da receita corrente líquida. Se tivéssemos a metade do que se gasta com previdência em investimento, o estado estaria muito bem”, conclui.