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Do orgulho à desconfiança, o sentimento dos brasileiros em relação à Copa

A pouco mais de 100 dias do início da Copa, parte dos torcedores do Brasil já não enche o peito de orgulho com a competição

Do orgulho à desconfiança: o sentimento dos brasileiros em relação à Copa Anderson Fetter/

Foto: Anderson Fetter

Imagina na Copa.

A frase quis ser slogan ufanista de um patrocinador da Copa do Mundo, mas virou o resumo do humor brasileiro em relação ao evento que receberemos daqui a 109 dias: o que antes era orgulho e expectativa virou desconfiança e dúvida.

Eis um retrato em alta definição da complicação chamada Brasil: 80% dos pedidos de ingressos feitos à Fifa para o torneio vieram de brasileiros. Ao mesmo tempo, pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) na semana passada informou: 50,7% dos entrevistados dizem não querer a Copa.

A Pátria de Chuteiras está de mal com a bola. Na verdade, não tanto com a bola: na pesquisa da CNT, 75% criticam especificamente os investimentos públicos para a realização do Mundial, que ultrapassam os R$ 25 bilhões, segundo o Portal Transparência. Parte do Brasil está meio de mal é com a instituição Copa do Mundo.

Antes mais raras, as vozes críticas se multiplicam desde os protestos na Copa das Confederações, no ano passado, e a cada notícia de atraso em obras ou aumento de custos. Na semana passada, o ex-tenista Gustavo Kuerten, tricampeão em Roland Garros e ex-número 1 do mundo, foi duro ao comentar o sistema montado em Florianópolis para o Congresso Técnico da Fifa, que custou R$ 3,9 milhões ao governo estadual.

– A sensação é bem frustrante com a Copa. O governo não cumpre compromissos com a população, mas com a Fifa, faz um esforço sobre-humano para fazer o que querem – disse Guga.

Outro ídolo, Ronaldo Nazário, disse na sexta-feira em coletiva da Fifa que os críticos são uma minoria que não percebe a oportunidade que o país tem:

– Temos de mostrar a eles que a Copa é um ótimo negócio para o Brasil.

Minoria ou maioria, a intensificação nas campanhas de marketing do governo federal – que batizou o torneio de "Copa das Copas" – é uma reação à mudança de humor da população, que veio em dois atos: o sonho e a realidade.

2007/2013 – O sonho

Quando foi confirmada para solo brasileiro, em 2007, a Copa do Mundo causou festa em praças públicas e euforia comparável aos cinco títulos da Seleção. Nos dois anos que a Fifa levou para definir as cidades-sede, gerou um leilão entre as 17 candidatas – todas tentando atrair a Fifa com promessas de estádios novos e todo o apoio que a entidade precisasse. O então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, garantia: será a Copa da iniciativa privada.

Em 2010, uma Matriz de Responsabilidades foi firmada entre todas as instâncias de governos e clubes de futebol para definir a lista de obras públicas necessárias. Era dinheiro público, mas para desenhar um Brasil modernizado: reformas em 13 aeroportos, obras de mobilidade urbana para melhorar o trânsito nas capitais, construção ou remodelação de estádios estaduais e privados. Tudo para ficar pronto em dezembro de 2012, a tempo da Copa das Confederações no ano seguinte.

Do lado do turismo, calculou-se: virão 600 mil estrangeiros no mês do Mundial, e estes serão recebidos por legiões de trabalhadores capacitados em outras línguas e técnicas de turismo. O governo federal falava alto sobre um trem-bala que ligaria São Paulo e Rio, o estadual, num Cais do Porto novinho em folha para mostrar o Guaíba a turistas, o municipal em sistemas de ônibus rápido cortando Porto Alegre junto a avenidas cuja ampliação fora projetada ainda na década de 1950. Os olhos da Fifa brilhavam, e da população também.

Pule alguns anos.



2013/2014 – A realidade

O brilho já não é mais o mesmo. Dias atrás, Recife afirmou que não fará a Fan Fest _ exibição pública dos jogos em todos os dias da Copa, com shows e atrações musicais. Alega que custaria R$ 20 milhões e esse dinheiro pode ser melhor aplicado em saúde, educação, transporte.

"Quem não quer melhoria nesses itens?", perguntam os defensores árduos como Ronaldo, integrante do Conselho de Administração do Comitê Organizador da Copa (COL). "Mas quem garante que essas verbas seriam realmente investidas nisso se não houvesse Copa?", emendam. Ironicamente, a dúvida sobre a capacidade do poder público é reforçada quando se olha para os investimentos estatais: mais em estádios (R$ 8 bilhões) do que em mobilidade urbana (R$ 7 bilhões). Muitas delas foram abandonadas, como o monotrilho de Manaus ou o sistema de ônibus rápido em Salvador. Outras ficaram para depois da Copa, sem data precisa para terminar, como as de Porto Alegre.

Com o atraso geral, itens dos contratos que não eram claros – porque a hora de cumpri-los não havia chegado – surpreenderam a população. A polêmica das estruturas temporárias, que no Rio Grande do Sul devem custar R$ 30 milhões e serem bancadas com isenções fiscais, é um desses casos. Desde que o Mundial se profissionalizou e virou um megaevento, esses gastos existem – e a informação não escapou da comitiva de servidores municipais, estaduais e integrantes do Inter que foram à Copa de 2010 ver como se fazia o evento. Ao longo dos anos, o compromisso, questionado pelo Ministério Público, vinha sendo evitado por autoridades.

Em resumo, venderam uma Copa e estão entregando outra. E isso traz consequências, como você vê a seguir.



R$ 25,9 bilhões em recursos federais estão previstos, mas apenas R$ 12,8 bilhõesforam contratados até agora

55 obras de mobilidade urbana no Brasil estavam previstas na matriz de responsabilidades, mas 22 delas não ficarão prontas a tempo.



Políticos acuados, Fifa exasperada

Com a população torcendo o nariz, políticos tentam descolar-se da ideia de que estão à mercê da Fifa e renegociam qualquer tipo de investimento previsto nos contratos assinados com a entidade. Se Recife foi taxativa em não querer Fan Fest, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, também deu entrevistas queixando-se dos custos do evento, previsto para Copacabana. Na Fifa, sobra perplexidade.

– Nunca cogitamos que uma cidade abriria mão da Fan Fest. Quando estavam disputando uma vaga como cidade-sede, prometiam eventos incríveis e apoio total – disse o diretor de marketing da entidade, Thierry Weil.

Em privado, os oficiais da Fifa queixam-se do hábito brasileiro em tentar mudar à última hora o que foi acertado. Se veem com dificuldade para explicar a fornecedores, patrocinadores e até torcedores os atrasos no planejamento de um evento previsto há sete anos. O imbróglio das estruturas temporárias no Beira-Rio, em Porto Alegre, é um exemplo. Na Fifa, não se entende por que um projeto de lei só foi enviado à Assembleia a 112 dias da Copa, se o assunto se discutia desde o ano passado. Entre os organizadores, a sede gaúcha é vista como uma das mais complicadas – especialmente pela postura distante do governador Tarso Genro, que delegou todos os contatos com Fifa e COL ao vice, Beto Grill.

Dentro do governo, a secretários e assessores, Tarso defende a vinda da Copa, que considera importante para dar visibilidade ao Estado. Porém, prefere ficar fora dos holofotes no assunto – posição que tinha já antes das manifestações de 2013 e vem intensificando à medida em que o Mundial se reveste de polêmica. Três dias antes da inauguração do Beira-Rio, em que esteve ao lado de Dilma e Valcke, o governador fez o secretário-geral da Fifa ser recebido por Grill em pleno Piratini, o que incomodou a entidade.

Vai sair Copa, e será profundamente verde-amarela: dos 1,5 milhão de ingressos já vendidos para o público geral, 900 mil são para brasileiros. É impossível imaginar que as Fan Fests fiquem vazias. Copas do Mundo sempre mudaram calendários na vida dos súditos de Pelé, transferiram férias, mudaram planos. Este ano, não será diferente.

Apenas não será só festa, mas também debate, opinião, cobrança. Coisas de país democrático, afinal de contas.

*Colaborou Carlos Rollsing

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