Juro que não sabia
De vez em quando acesso os sites oficiais das prefeituras aqui da região. Um dia destes, acessei o site da Prefeitura de Santo Augusto e, percorrendo o rol da legislação surpreendi-me com uma lei que trata de pensão vitalícia a políticos detentores de cargos eletivos ou seus familiares. Trata-se da Lei Municipal nº 666, de 15 de junho de 1984 (38 anos atrás), sancionada pelo saudoso prefeito Antônio Fabrício Garcez Freire (carinhosamente, “tio Nico”) que instituiu uma pensão mensal vitalícia à família do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores, no caso de morte enquanto estiver no exercício de seus mandatos. Juro que eu não sabia. E você, leitor, que é da época como eu e também acompanhava os trabalhos legislativos, sabia dessa lei? Presumo que, exceto as publicações legais, ademais não foi dado publicidade alguma à matéria, eis que, a meu juízo, pensão vitalícia a prefeito, vice-prefeito, vereador e familiares, soa antipático, imoral e desrespeitoso perante a opinião pública e a percepção coletiva sobre o assunto.
Beneficiários
A mencionada lei (que ainda está em pleno vigor), em seu artigo 1ª, e parágrafos, estabelece que são beneficiários da pensão, a viúva e filhos do falecido, cabendo 50% à cônjuge e 50% aos filhos, ou 100% à viúva que não tiver filhos. Perderá o direito à percepção da pensão a viúva, se contrair novas núpcias; filhos ao completar 21 anos; e filhas ao contraírem núpcias. O artigo 2º, assegura pensão mensal vitalícia ao Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador, em caso de invalidez permanente, quando no exercício do mandato. O valor da pensão mensal vitalícia por morte ou invalidez, será de 100% do que percebia o titular do cargo no momento da morte ou invalidez, e reajustada conforme os reajustes futuros cedidos para os cargos mencionados.
A propósito
Vale recordar que quando foi instituída, em Santo Augusto, a “pensão mensal vitalícia ao prefeito, vice-prefeito e vereador” ou familiares, o chefe do Poder Executivo era Antônio Fabrício Garcez Freire (PDS) e Vice, Antônio Vanderlei da Luz Pereira (PDS), ambos já falecidos. O Poder Legislativo era composto pelos vereadores: do PDT: Darci Pompeo de Mattos, Antônio Soares de Oliveira (já falecido) e José Valmir Stival; do PDS: Gilberto Elias Goergen, Derli Flávio Ramão Paz, Almir Antônio Santi e José Alberto Gomes de Oliveira (estes dois já falecidos); do PMDB: Daltro Maroso Lorenzon e Dilmar Antônio Mattioni. Mantenho o respeito que sempre tive por todos eles, eis que homens íntegros e de bem. Porém, discordo deles com veemência quanto a essa lei. A meu ver, legislaram em causa própria, em detrimento do interesse público. Urge que alguém tome a iniciativa para que esta lei, ‘incabível’, seja revogada.
Coincidência
Coincidentemente, na mesma época, em junho e julho de 1984, outros municípios da Região Celeiro, como Chiapetta, Campo Novo e Três Passos, também criaram lei para o pagamento de “pensão mensal vitalícia” a familiares do prefeito, vice-prefeito e vereadores” mortos durante o exercício do mandato, normas que ainda estão em vigor. Apesar de convergentes nos quatro municípios, há entre as leis, algumas divergências.
Chiapetta
Em Chiapetta, a “pensão mensal vitalícia” a familiares do prefeito, vice-prefeito e vereadores mortos durante o exercício do mandato, foi instituída através da Lei nº 013, de 12/07/1984, sancionada pelo então prefeito, Dorivaldo João Stamm (PDS). O que a difere de Santo Augusto, é que lá (em Chiapetta) serão beneficiados também com os mesmos direitos, o prefeito, vice-prefeito e vereador, ‘solteiros’, sendo que neste caso, a pensão será dividida, em caso de morte, 50% para a mãe e 50% para o pai, e na falta de um destes, 100% ao sobrevivente.
Campo Novo
No município de Campo Novo, a “pensão mensal vitalícia” para familiares do prefeito, vice-prefeito e vereador, morto durante o exercício do cargo, foi instituída pela Lei Municipal nº 693/A, de 22/06/1984, sancionada pelo então prefeito Bruno Siro Seefeld (PDS), com um diferencial: O valor da pensão mensal vitalícia por morte ou invalidez permanente, será de 50% do que percebia o titular do cargo no momento da morte ou invalidez, devido alteração contida no art. 1º da Lei Municipal nº 1.188, de 27.11.1995.
Três Passos
Em Três Passos, a Lei Municipal nº 2674/84, instituiu a ‘pensão mensal vitalícia’ ao prefeito, vice-prefeito e vereador, ou a seus dependentes, em caso de invalidez permanente ou morte, na hipótese de que venham a se invalidar ou morrer, respectivamente, no efetivo exercício de seus mandatos. Essa lei foi promulgada em 11 de dezembro de 1984, pelo então prefeito Renato José Oppermann (PDS). A norma pouco difere das instituídas nos demais municípios citados. No entanto, a lei foi revogada pela Lei nº 2942/1991, mas mantendo o benefício, com algumas alterações.
O que mudou
O diploma legal 2942/91, diz: O prefeito, o vice-prefeito ou vereador que sofrer acidente ou for acometido de moléstia incurável no efetivo desempenho de seu mandato, que o inabilite para o trabalho, fará jus a uma pensão vitalícia, pagável mensalmente. A cada um dos filhos, em caso de morte do prefeito, vice ou vereador, no efetivo exercício de seu mandato, será paga uma pensão correspondente a 5% (cinco por cento) da remuneração atualizada do titular do cargo, enquanto não atingir 21 anos de idade ou convolar núpcias. Se o filho for inválido ou incapaz de prover sua própria subsistência à época do passamento do seu progenitor, a pensão será paga por tempo indeterminado, enquanto persistir a invalidez ou incapacidade.
Fere princípios básicos
Creio que pensão mensal vitalícia a prefeito, vice-prefeito e vereador ou seus familiares, como preceituam as leis municipais antes descritas, fere princípios básicos da administração pública, eis que possibilita que estes agentes políticos percebam subsídio vitalício, ou, conforme denominação doutrinária, “pensão de graça”, pelo simples exercício do mandato, ainda que as benesses tivessem sido concedidas antes da Constituição da República de 1988. Em casos idênticos levados a julgamento, o STF decidiu pela inconstitucionalidade de tais pensões mensais vitalícias, eis que esses cargos eletivos têm caráter temporário e transitório, motivo pelo qual não se justifica a concessão de qualquer benefício a ex-ocupante do cargo de forma permanente, sob pena de afronta aos princípios da igualdade, da impessoalidade, da moralidade pública e da responsabilidade com gastos públicos.
Aliás
Entre outros vários casos com a mesma decisão, o STF reconheceu a inconstitucionalidade de uma lei municipal de Pimenteiras, Piauí, que assegurava o pagamento de pensão vitalícia às famílias de prefeito, vice-prefeito e vereadores falecidos durante o mandato. Em sua arguição no processo, acatada pelo STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirma que a norma é incompatível com preceitos fundamentais da Constituição Federal, pois, além de afrontar os princípios republicanos de igualdade, moralidade e impessoalidade, a lei municipal desrespeita o dispositivo constitucional que submete todos os ocupantes de cargos temporários ou em comissão ao Regime Geral de Previdência Social. Na avaliação de Aras, a norma criaria privilégio injustificado e incompatível com o interesse público.