Segundo pesquisador brasileiro, votação secreta pode ser mais favorável à punição de políticos poderosos – diferentemente do que ocorreu na sessão em que o Senado devolveu o mandato a Aécio.
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Analisando casos reais de processos de corrupção por parlamentares tramitando no Congresso brasileiro, os autores chegaram a uma conclusão que vai de encontro ao senso comum: no caso de políticos poderosos, a votação aberta pode ser um tiro no pé para a punição de condutas consideradas inadequadas.
Por outro lado, é “extremamente eficaz” se o legislador for relativamente fraco. O contrário também é verdadeiro: na votação secreta, é menos provável que o resultado seja punitivo quando o legislador é fraco, mas “mais provável que leve à expulsão, entre outras medidas, se ele for forte”, segundo o estudo.
Isso porque, embora o voto secreto seja comumente apontado como catalisador de práticas imorais, como acordos por debaixo dos panos e chantagens, ele pode também permitir que os parlamentares votem sem medo de represália dos colegas.
Para Carlos Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro e atualmente professor visitante na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, isso ficou evidente nesta terça-feira, quando senadores decidiram, por 44 votos a 26, devolver o mandato de Aécio Neves – denunciado por corrupção pela Procuradoria-Geral de República (PGR) e anteriormente afastado da Casa por decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Aécio nega as acusações e se diz inocente.
“O Aécio é poderosíssimo. Ele foi o candidato da oposição que quase derrotou o PT. Até hoje, o PSDB está com zilhões de dificuldades de se ver livre dele. Ele deve ter tido um papel importantíssimo em arrecadar dinheiro para o partido – vários desses esquemas ilegais que ele deve ter se engajado não deve ter sido só para ele.”
Dirceu e Delcídio
O estudo acompanhou a tramitação “natural” de processos que colocam parlamentares sob suspeição – primeiro passando pelo Conselho de Ética e, dependendo da deliberação no órgão, a sequência ao plenário.
Os autores descobriram que um líder de partido tem quase duas vezes mais chance de ser absolvido quando seu processo é avaliado no Conselho de Ética; apenas fazer parte da Mesa Diretora implica em uma redução de 39% na chance de haver punição no conselho.
No conselho, porém, o voto é necessariamente aberto. Quando tais processos chegam ao plenário, em votação secreta, a influência de líderes de partido ou membros da Mesa é barrada.
“Sob votação aberta no Conselho de Ética, uma posição de liderança, que aumenta o poder do acusado, leva a uma menor probabilidade de punição. No plenário, no entanto, essas variáveis de liderança não produzem resultados estatisticamente significativos (…) sugerindo a possibilidade de que a votação aberta no conselho pode na verdade tornar os deputados mais suscetíveis à intimidação do que em uma votação secreta no plenário”, diz um trecho do artigo.
No caso de Aécio, a “profecia” se efetivou: em julho, o Conselho de Ética do Senado arquivou representação contra o parlamentar. A votação desta terça ocorreu por um motivo diferente – os senadores decidiram sobre derrubar ou não medidas contra ele decididas pelo STF.
Nas vésperas da sessão que devolveu o mandato a Aécio, o caráter da votação – aberta ou fechada – foi alvo de debates e de decisões judiciais.
Na semana passada, um juiz federal de primeira instância decidiu, por liminar, que a votação deveria ser aberta; no próprio dia da votação, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou o mesmo, provocado por mandado de segurança ingressado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Outros casos que ajudam a ilustrar o ponto defendido por Pereira são as cassações do petista José Dirceu – decidida pelo plenário da Câmara, em 2005, em votação secreta – e do agora ex-petista Delcídio do Amaral – pelo Senado, em votação aberta, em 2016.
“Delcídio tinha um poder político menor do que o de Aécio, com certeza. Além disso, ele foi um traidor para os políticos. Quando foi para a votação, ele já estava delatando muita gente. Em uma estrutura criminosa, a traição te torna um inimigo”, afirma Pereira.
Exposição na mídia
Outra variável na equação estudada por Pereira e colegas – com base em votações na Câmara entre 2003 e 2006, período marcado pelos escândalos de corrupção dos Correios, dos Bingos e do Mensalão – foi a cobertura midiática.
Se o poder político dificulta uma eventual punição, a exposição na mídia – medida por métodos desenhados pelos autores – a favorece. Mas, considerando o cenário político atual no Brasil, Pereira diz que esta variável também mudou.
“O fator exposição na mídia diluiu. Quanto mais esta exposição da corrupção, mais a percepção do público de que todo mundo é corrupto”, aponta o cientista político. “Um efeito perverso é a sensação de que todo mundo está na lama, então a lama deixa de ser importante. A corrupção é relativizada.”
Na sua avaliação, mudou também neste meio tempo o instinto de sobrevivência dos parlamentares – que, diante da escolha entre o custo de retaliação dos colegas e o custo eleitoral de defender abertamente um político acusado de corrupção, acabam escolhendo o segundo.
“Esses políticos, quando perderem o foro privilegiado, vão morrer. A sentença de morte deles já está estabelecida. O que você faria se estivesse em uma masmorra e soubesse da data do seu enforcamento? Iria tentar de todo jeito criar condições para escapar disso”, diz Pereira.
“Como o risco de uma grande soma de políticos irem para a forca é real, é muito mais vantajoso construir mecanismos de proteção para o meu pescoço do que para uma potencial punição de eleitor – que só vai votar em 2018 e sei lá se vai saber se eu absolvi Aécio um ano atrás.”
Quem está sob a forca, de fato, influência o destino dos processos contra parlamentares, segundo métricas do artigo do qual Pereira é coautor.
Dividindo os parlamentares entre “limpos”, “sob suspeição” e “sujos”, a pesquisa mostra que, à medida que a composição dos deputados votantes “limpos” sobe de 74% para 93%, a probabilidade de um voto no plenário pela expulsão do acusado aumenta rapidamente de 1% para mais de 53% (chegando a 77% quando a Câmara é composta unicamente de deputados “limpos”).
“Como existe hoje no Congresso uma grande quantidade de parlamentares que você não sabe se são ‘limpos’ ou ‘sujos’ (portanto, estão na categoria ‘sob suspeição’), as chances de punição diminuem vertiginosamente, porque eu posso ser o próximo da vez. A lógica não é nem corporativa, é de sobrevivência individual”, ressalta Pereira.
Teoria e prática
O cientista político destaca que, ainda que mecanismos como o voto aberto, sinônimos de transparência pelo senso comum, acabem levando a resultados opostos ao planejado, isso não significa que eles devam ser extintos – mas sim qualificados.
“Tudo pelo nome da transparência é vendido e justificado, mesmo que o resultado inverso seja alcançado”, afirma Pereira, reconhecendo que os resultados de sua pesquisa sobre o voto aberto são “contraintuitivos”. “O problema é a interpretação inocente, pela literatura da transparência, de que a disponibilização da informação necessariamente vai tornar o eleitor mais exigente em relação à corrupção.”
Em uma pesquisa em curso, ainda não publicada, o cientista político está percebendo que os brasileiros colocam lentes que suavizam a percepção da conduta inadequada de um político diante de outros fatores – como a identificação ideológica e uma melhoria de vida sentida em “primeira mão”.
“A literatura de transparência tem que namorar com a literatura de psicologia política”, defende.