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Como foi o dia da presidente do Supremo em visita surpresa ao Presídio Central

 

Antes das 10h desta sexta-feira, em meio à equipe de seis pessoas, a presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, chegava a uma das mais caóticas penitenciárias da América Latina. Aguardada no saguão do Presídio Central, foi recebida pelo diretor da unidade, Marcelo Gayer Barboza, que ficou sabendo da visita horas antes. A intenção da magistrada era presenciar o caos a que está inserido o sistema penitenciário gaúcho, sem maquiagem, como fez em outras duas oportunidades, no Rio Grande do Norte, em 21 de outubro, e no Distrito Federal, em 5 de outubro.

Minutos antes, havia desembarcado na Base Aérea de Canoas e se dirigiria a Porto Alegre de táxi, sem qualquer escolta, não fosse a hospitalidade do juiz Sidinei José Brzuska, que a buscou. Já no presídio, após breve conversa com o procurador de Justiça Gilmar Bortolotto, o amigo de longa data e ex-senador Pedro Simon, e Gayer, caminhou até a primeira galeria do Pavilhão E, local considerado a sala de visita do Central, já que não apresenta os problemas dos outros prédios. Ali, ficam os presos em tratamento químico, separados por celas.

Usando óculos escuros, percebia-se um olhar atento às falhas estruturais da construção da década de 1950. A cada rachadura, vazamento, imperfeição, espremia os olhos para compreender a deficiência do local. No mesmo pavilhão, percorreu salas do ambulatório e de educação antes de chegar ao pátio do Pavilhão B, que abriga duas facções. Daquele ponto, observou prédios e, pelas janelas, a movimentação assustadora de parte dos 4.683 presos amontoados em espaço para 1.905 pessoas. Viu também, in loco, o esgoto escorrendo diante de seus pés.

Galeria esvaziada às pressas

A comissão explicava cada parte da penitenciária, como galerias do Pavilhão D, esvaziada para que a ministra pudesse analisar a situação. Neste e nos demais prédios visitados a partir de então, não há mais divisão por celas. Cada andar se transformou em aglomerado de presos, sem qualquer repartição. Na outra ala do mesmo pavilhão, frente a frente com integrantes de facções, mas separada deles por grades, conversou com os cerca de 500 detentos que ali estavam. Queria saber como se acomodavam os presos. Escutou que não há espaço físico para que todos deitem ao mesmo tempo. 

Ficou sabendo pelos detentos que o acolhimento não é feito pelo Estado, mas pelas facções, como se fossem recrutados para o crime. Quem sai dali, precisa trabalhar para esses grupos organizados cometendo desde pequenos furtos, passando por assaltos e chegando a assassinatos. Os que se negam, muitas vezes acabam mortos ou penalizados com homicídios de familiares. Um dos presos disse a ela que teve quatro pessoas da família mortas como acerto de contas.

Sempre séria, a expressão facial da presidente do CNJ, não se alterou nas cerca de duas horas em que esteve no Central. No entanto, o amigo Pedro Simon garante que ela deixou a cadeia consternada. Por telefone, talvez tenha sido o primeiro gaúcho a saber da visita, na terça-feira, quando foi convidado por telefone por Cármen Lúcia.

— Percebi que ela ficou machucada — disse Simon.

Muito simples e aberta, diz presidente da OAB-RS

Do Central, saiu para audiência pública no Fórum, onde pediu que todos colocassem as cadeiras em círculo ao seu lado. Compenetrada, ouviu sugestões de melhoria para o sistema penitenciário e fez poucas considerações. Na agenda de capa vermelha tomava nota do que considerava importante e, uma que outra vez, ponderava sobre propostas. Após deixar claro que veio ao Estado para colher informações e sugestões de melhoria, enfatizou:

— Não vim aqui procurar culpados, estou procurando soluções.

Ricardo Breier, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS), participou da audiência pública e elogiou a postura da ministra.

— É uma pessoa muito querida, aberta, simples, identificada com a cidadania, mas com alto senso de responsabilidade com o cargo que tem lá. Tenho certeza que fará tudo o que estará ao seu alcance — disse.

— Ela teve oportunidade de ver o essencial, achei bem importante, porque precisamos ali dentro de gente com capacidade de produzir alterações, como ela — complementou Bortolotto.

— Ela interagiu bastante com os presos, ouviu diretamente deles quais fatores levam à criminalidade, à reincidência — finalizou Brzuska.

As considerações da ministra

Confira, abaixo, Cármen Lúcia falou em sua visita ao Estado.

Haverá medida imediata para amenizar o problema da superlotação?

"Estamos levantando exatamente quantos presos têm. Ficamos de receber da direção do presídio quais são os principais problemas do presídio para saber como se encaminharia a questão específica dos presos. A questão da parte física é entregue ao poder Executivo, mas, junto com o Executivo, tanto nacional quanto local, a quem encaminharei todos os dados que me forem liberados, acho que poderemos, pelo menos quanto à superlotação, termos a possibilidade de fazer acontecer."

Qual é o principal problema do Presídio Central?

"A falta de condição física, tanto da penitenciária, quanto das condições que os presos são colocados lá dentro. É um número excessivo sem condições de dar cumprimento integral ao que foi determinado pelo Supremo, fazer com que as pessoas estejam lá em condições de dignidade. O que alguns dizem é que não se tem nem ao menos espaço físico para que todos possam se deitar e dormir ao mesmo tempo."

Presos agrupados em facções não empodera os criminosos?

"Essa é uma situação que não posso responder, porque só hoje a direção do presídio me disse que há facções lá dentro e que eles fazem esse tipo de separação para evitar rebeliões. Agora, tudo que não seja cumprimento de garantia de integridade dos presos dentro daquele espaço e no regime que é determinado fortalece os grupos internos nos presídios e a impossibilidade de cumprimento da lei."

O Presídio Central pode ser recuperado?

"É muito difícil a situação física e não sei qual é o planejamento do Estado para ele. É muito, muito difícil (recuperar) pelas condições precárias físicas daquela construção."

O Estado poderá ser penalizado pela situação atual do sistema carcerário?

"Se não apresentar projeto específico para isso, sim!"

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