O Banco Mundial está apoiando o projeto com um financiamento de US$ 250 milhões, aprovado em 12 de maio. Com parte desse dinheiro, o Ministério da Educação (MEC) vai conseguir direcionar recursos extras para escolas do Norte e Nordeste do Brasil, regiões mais pobres e que sofreram impactos ainda mais fortes durante a pandemia, pela dificuldade em ofertar ensino remoto de maneira adequada.
O plano, porém, é direcionado a todas as regiões brasileiras, para todas as redes municipais e estaduais, públicas e privadas. O objetivo é minimizar os prejuízos de fechamento das escolas – o Brasil foi um dos países a manter por mais tempo as crianças longe da sala de aula. Segundo estudo divulgado em maio pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), esse cenário leva a uma queda de 9,1% no rendimento médio dessa geração na vida adulta, caso nada seja feito. É o terceiro pior resultado dentre as economias emergentes e desenvolvidas do G20, atrás apenas da Indonésia e México, com quedas estimadas de -9,7% e -9,9%, respectivamente.
“Cada dia que passa a gente coleta alguma informação de que tudo que estava nos alarmando na pandemia se confirmou. Em alguns casos, somos até surpreendidos negativamente, com alguns estados onde 100% das crianças apresentam nível de aprendizado abaixo do esperado”, explica o economista do Banco Mundial Ildo Lautharte, especialista em educação.
Não são apenas as habilidades técnicas que foram impactadas: a saúde mental dos estudantes também necessita de atenção, aponta o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia. “Já esperávamos, em função do distanciamento na pandemia, problemas de caráter socioemocional, mas isso se manifestou em intensidade até maior que a esperada. Houve um salto nas questões de ansiedade, questões de doenças mentais surgindo muito forte, além da explosão de diagnósticos de autismo, que é um assunto mundial.” Garcia citou o exemplo da rede onde atua, em Sud Mennucci (SP), município com 7 mil habitantes. “Imaginávamos 3% das crianças voltando à escola sem alfabetização, mas praticamente 10% não estavam alfabetizadas, inclusive com alunos que já estavam no processo e tiveram perdas”, explica.
Para enfrentar esse cenário complexo, portanto, foi preciso criar um “guarda-chuva” que é a política de aprendizagem lançada em maio. Segundo o secretário adjunto de Educação Básica do MEC, Helber Ricardo Vieira, os pilares principais são: trazer o aluno de volta à escola; evitar a evasão por dificuldades de aprendizagem ou socioeconômicas; reforço didático e bem-estar emocional; e apoio para difusão das tecnologias e universalização de internet.
Como manter a criança na escola
A primeira etapa necessita da participação da comunidade para funcionar: o Disque 100 Brasil na Escola é um canal de denúncia para identificar crianças e adolescentes que estejam fora da rede de ensino, ou que estejam enfrentando violações de direitos humanos. Depois, é preciso uma ação articulada para manter essa criança na escola.
O MEC lançou ainda em abril de 2021 o Sistema de Alerta Preventivo, que ajuda professores e diretores a identificar se a criança tem perfil para abandonar a escola. “O Brasil se baseou em algumas ferramentas internacionalmente reconhecidas para usar questionários que vão identificar esse risco. Quando identificadas as crianças, há uma escuta ativa e as escolas recebem manuais e orientação para lidar com isso. Se o fator de risco maior é aprendizado, a criança deve ser encaminhada para uma atividade para recompor aprendizados”, explica Ildo Lautharte, economista do Banco Mundial.
Ciclos de avaliações e diagnóstico
Para saber exatamente o que o aluno precisa recuperar, as redes de ensino contam com testes e diagnósticos da Plataforma de Avaliações Diagnósticas e Formativas. “As avaliações estão alinhadas com a BNCC [Base Nacional Curricular Comum] para verificar o conhecimento do aluno nas disciplinas básicas. Do diagnóstico parte-se para o uso de cadernos pedagógicos com material personalizado para sanar aquela dificuldade de aprendizagem específica”, explica o gestor do MEC. Segundo Vieira, o material foi desenvolvido por professores experientes indicados por estados e municípios e estão disponível para download.
O ministério usou know-how de centros de pesquisa como a Fundação Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd), da Universidade Federal de Juiz de Fora, que ainda em 2020 desenvolveu uma plataforma para o governo de São Paulo avaliar seus estudantes. Em escala nacional, a Plataforma Avaliações Diagnósticas e Formativas foi lançada em outubro de 2021 pelo MEC. Um dos destaques da plataforma é a tecnologia de correção de textos manuscritos pelos alunos.
Para acelerar o aprendizado, as redes estão sendo orientadas a agrupar os alunos com dificuldades de aprendizado semelhante – independentemente da idade e série – para trabalhar o conteúdo necessário. Pelos diferentes contextos no território nacional, as redes são livres para definir se as aulas de reforço ocorrem no contraturno ou no próprio turno escolar. “A indicação é fazer no turno mesmo, para ter maior adesão. As evidências internacionais apontam para os ganhos desse acompanhamento personalizado de aprendizados. É o programa de maior impacto de curto prazo de recuperação de aprendizados que a gente conseguiu mapear internacionalmente. O banco está usando esse modelo nas conversas com outros países”, destaca Lautharte.
Programa necessita de muitos investimentos de forma constante
“A Undime defende a construção de um grande programa nacional que implique na ampliação de jornada e que tenha recursos de contratação de monitores, professores, materiais e alimentação para auxiliar as redes a recompor as aprendizagens”, afirma Garcia. Ele diz que o que ocorre é o movimento contrário: “Temos visto mais cortes de verbas na educação. Para se ter ideia, o programa de banda larga a todas as escolas, se manter os R$ 350 milhões anuais aplicados, vai demorar cinco anos para chegar a todo o Brasil”, lamenta.
Segundo o secretário adjunto do MEC, o órgão trabalha com a perspectiva de que a educação é o tema mais importante para o país, e que será necessário mais aportes de verba. “Já tínhamos que perseguir metas do Plano Nacional de Educação que ainda não tinham sido cumpridas, temos uma pandemia que coloca um cenário ainda mais desafiador. Diante do desafio maior, precisaremos de investimentos cada vez mais robustos na educação, precisamos aumentar nossos investimentos, seja em recursos tecnológicos, humanos ou orçamentários”, afirma.
Por enquanto, a ação Brasil na Escola, que abrange as aulas de reforço, prevê o repasse de R$ 10 mil a cada instituição e R$ 150 por aluno, mas isso apenas se houver um cenário de vulnerabilidade, com 70% dos estudantes enquadrados em famílias beneficiárias do Auxílio Brasil. Parte do dinheiro, que vai ajudar escolas do Norte e Nordeste, virá do financiamento do Banco Mundial. “O projeto precisa chegar ao mais vulnerável dentre os mais vulneráveis”, explica Lautharte.
Para o economista do Banco Mundial, as potencialidades do projeto podem ajudar no orçamento. “Se a sociedade enxergar como iniciativa promissora fazer com que uma criança de 9.ª série, que hoje tem conhecimento de apenas 5.ª série, conseguir alcançar o nível adequado da 9.ª série, a alocação de recursos vai acontecer, porque a sociedade terá esse interesse de promover o capital humano. É uma discussão de como alocar os recursos e quais serão as prioridades”, pontua. Lautharte defende que o programa seja abraçado por toda a sociedade, pois é baseado nas melhores evidências internacionais. “Os projetos do Banco Mundial prezam pela sustentabilidade, e este tem potencial não apenas recuperar o nível de aprendizado de 2019, mas para melhorar de uma forma sustentável para o futuro”, diz.
Gazeta do Povo