No ritmo em que a vacinação contra a covid-19 é conduzida no Brasil, o País levaria mais de quatro anos para ter toda a sua população imunizada. O cálculo é do microbiologista da Universidade de São Paulo (USP) Luiz Gustavo de Almeida. Ele lembrou que, durante a campanha de vacinação contra a gripe em março do ano passado, já em plena pandemia do novo coronavírus, os brasileiros vacinavam até um milhão de pessoas por dia. Atualmente, a média de imunizações diárias é de um quinto disso, 200 mil pessoas.
Para fazer os cálculos, Almeida baseou-se no número total de brasileiros a serem vacinados (160 milhões, segundo o IBGE, já que os menores de 18 anos não serão imunizados agora). Para cobrir esse público-alvo no atual ritmo, seriam necessários de quatro anos e meio a cinco anos, considerando que os imunizantes usados no Brasil devem ser aplicados em duas doses.
“Este ritmo é lamentável”, afirmou o especialista. “Já em plena pandemia de covid, conseguimos vacinar 54 milhões de pessoas contra a gripe em cem dias, sem grandes esforços. No caso da covid, deveríamos conseguir no mínimo o mesmo número; idealmente mais, se abríssemos postos de vacinação em estádios e escolas.”
A escassez de vacinas é apontada por especialistas como a maior causa da lentidão do processo, que já começou depois de cerca de 50 outros países. Por causa do número muito reduzido de doses, foi preciso estabelecer prioridades. Foi limitada a quantidade de pessoas que poderiam ser vacinadas por dia. Além disso, na ausência de uma coordenação nacional por parte do governo federal, cada Estado definiu estratégias e cronogramas diferentes. Em Manaus, por exemplo, a vacinação teve de ser interrompida após denúncias de fraudes no acesso à fila.
“Um dos grandes gargalos é a questão das prioridades”, explicou o epidemiologista Fernando Barros, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). “Se tivesse vacina para todo mundo, era muito mais simples vacinar um milhão por dia. Se tivesse muita vacina, ninguém ia furar a fila, como aconteceu em Manaus. Outra coisa, cada um estabeleceu seus critérios; no Rio, por exemplo, teve um dia inteiro para quem tem mais de 99 anos, isso não existe. O que eles querem? Entrar para o livro dos recordes?”
O Brasil já contabiliza mais de 9,3 milhões de casos de covid-19 e quase 230 mil mortes desde o início da epidemia, segundo o consórcio dos veículos de imprensa. Nos últimos sete dias, a média móvel de mortes foi de 1.051. Já são 15 dias com essa média acima da marca de mil. Nesta quinta-feira, 4, o total de vacinados ultrapassou 3 milhões.
“Se não houver um clamor popular, uma grande pressão para a compra de vacinas, vão continuar morrendo mais de mil pessoas por dia”, afirmou Barros. “Com a questão das variantes do vírus, a situação pode se agravar e será ainda mais difícil abafar a infecção. Estou vendo muito pouco movimento para a gravidade da situação. O único jeito de sairmos dessa situação dramática é comprar mais vacina. Precisamos de uma quantidade suficiente para deslanchar o programa de imunização.”
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Juarez Cunha, é possível até mesmo que a campanha brasileira tenha de ser interrompida em breve. “Na situação em que estamos, provavelmente vamos ficar um tempo sem vacinar ninguém, uns vinte dias, se não recebermos outras vacinas, até a Fiocruz e o Butantan começarem a produzir em larga escala”, afirmou.
Nesta semana, o Instituto Butantan recebeu outra remessa de insumos da Coronavac e prevê entregar novas doses prontas até a última semana de fevereiro. Já a Fiocruz prevê a entrega no sábado, 5, do primeiro lote de matéria-prima do imunizante Oxford/AstraZeneca, que será fabricado no Brasil pela fundação. A previsão para repassar as doses prontas para o Ministério da Saúde, entretanto, é somente em março. O Ministério da Saúde tem sido pressionado a ampliar a oferta de doses e articula a compra da Sputinik V, vacina russa cujos dados de eficácia, superiores a 90%, foram publicados nesta semana.
“Outra questão é a capacitação de pessoal”, afirmou Cunha. “No caso da vacinação contra a covid, diferentemente do que ocorre na gripe, é preciso fazer um registro completo de todo mundo para alimentar a farmacovigilância. Isso vai provocar um ritmo mais lento.”
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