Zero Hora teve acesso a depoimento de Edelvânia Wirganovicz, que conta ter sido jogada soda sobre o corpo e que a madrasta não teria verificado a pulsação do menino
O relato que a assistente social Edelvânia Wirganovicz deu à Polícia Civil ao confessar a participação na morte de Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, mostra um roteiro de frieza e premeditação, no qual Edelvânia justifica o fato de ter aceitado participar do crime de forma singela:
— Era muito dinheiro e não teria sangue nem faca, era só abrir um buraco e ajudar a colocar dentro o menino.
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Zero Hora teve acesso ao depoimento dado em 14 de abril que deu à polícia o embasamento para prender Edelvânia, a madrasta do menino, Graciele Ugulini, e o pai de Bernardo, o médico cirugião Leandro Boldrini. Pelo relato de Edelvânia, Graciele (conhecida como Kelly entre as amigas) planejava há muito tempo a morte do enteado, considerado um "incômodo" na vida do casal.
Quanto à suposta participação de Boldrini, no entanto, Edelvânia repetiu aos policiais o que teria ouvido da amiga: que ele "não sabia, mas, futuramente, ele ia dar graças de se livrar do incômodo, porque Bernardo era muito agitado". A polícia suspeita de que o médico tenha ajudado a encobrir o crime depois de supostamente ficar sabendo do que havia acontecido.
Bernardo rumou para a morte depois de sair da escola em 4 de abril acreditando que ganharia um aparelho de televisão e que faria uma consulta com uma "benzedeira", segundo contou Edelvânia. Conforme o depoimento, ainda em Três Passos, Graciele teria dado um remédio ao menino para que dormisse — teria dito a ele que o comprimido era para evitar que vomitasse na viagem. Mas o remédio não fez efeito e ele chegou em Frederico Westphalen acordado. Desceu do carro da madrasta e entrou no Siena de Edelvânia. No veículo, ele teria recebido outra dose.
No trajeto em direção ao local onde seria enterrado, Bernardo teria ouvido da madrasta mais uma vez a explicação de que estava indo a uma consulta com uma benzedeira e que precisava, para isso, levar um "piquezinho na veia". Edelvânia disse à polícia que "mandaram ele deitar sobre uma toalha de banho cor azul. Que Kelly aplicou na veia do braço esquerdo com uma seringa e ele foi apagando."
Depois de tirar a roupa — que seria o uniforme da escola — e os tênis, enterraram o menino, sem conferir se ainda estava vivo: "Que a depoente e Kelly colocaram o menino no buraco sendo que Kelly jogou a soda sobre o corpo e a depoente colocou pedras. Que a depoente acha que ele já estava morto. Que a depoente não viu se Kelly olhou se o menino tinha pulsação." A polícia suspeita que o menino possa ter sido enterrado vivo.
Segundo relato, por volta das 16h de 4 de abril, o crime estava consumado, o corpo de Bernardo, enterrado, e as duas amigas retornaram para a cidade. Depois de lavar-se na casa de Edelvânia, Kelly foi até uma loja e comprou a televisão prometida a Bernardo. Edelvânia levou uma sobrinha para tomar picolé e, após, foi para casa dormir.
A relação de amizade de Graciele e Edelvânia seria do passado, elas teriam morado juntas por dois anos antes de Graciele se mudar para Três Passos. O contato entre as duas depois da mudança teria sido apenas por meio do Facebook e algumas ligações telefônicas.
Edelvânia contou que o contato foi retomado há cerca de dois meses. Que Graciele teria ido a seu trabalho e depois as duas foram para o apartamento da assistente social. Graciele teria levado presentes como "cremes e enfeitezinhos" para o imóvel. Enquanto tomavam chimarrão, Kelly teria convidado Edelvânia para ser madrinha de sua filha e teria desabafado sobre a relação com Bernardo.
Teria dito que o menino era "ruim", que era difícil de lidar e que brigava até com o pai.
"Que após essa conversa Kelly perguntou o que achava, sendo que ela tinha bastante dinheiro e que se a depoente a ajudasse a dar um sumiço no guri ela lhe daria dinheiro e ajudaria a pagar o apartamento", informa um trecho do depoimento.
Assistente social quase revelou plano de morte à mulher de um delegado
A resposta não foi dada naquele dia. Segundo Edelvânia, Kelly "deu um tempo" e elas teriam se falado algumas vezes por telefone. Kelly teria voltado à cidade em 2 de abril, dois dias antes do crime. Edelvânia disse que, na ocasião, se assustou com a presença da amiga Kelly, uma vez que estava recebendo em casa outra conhecida, a mulher de um delegado.
Edelvânia disse à polícia que estava "começando a se abrir com a mulher sobre a proposta de Kelly, que se tivesse contado tudo, ela não deixaria a depoente fazer o que fez".
Segundo a assistente social, a madrasta planejava o crime há muito tempo, tendo, inclusive, contado que teria tentado matar o menino usando um travesseiro. Bernardo havia contado esse fato a uma ex-babá, que relatou para a avó materna. O caso chegou ao conhecimento do Conselho Tutelar e do Ministério Público, mas nenhuma autoridade procurou a babá para apurar a veracidade.
Naquele dia, Kelly teria revelado todo o plano: dopar o menino e depois aplicar uma injeção letal na veia. Teria pedido um local para "consumir" o corpo. No mesmo dia, as duas teriam ao local, no interior de Frederico Westphalen, e começado a cavar com uma enxada de Edelvânia.
Como havia dificuldade, teria decidido comprar outras ferramentas, além de um produto para "diluir rápido o corpo e que não desse cheiro". As ferramentas, uma pá e uma cavadeira, foram apreendidas pela polícia na casa da mãe de Edelvânia. No dia 2, tudo ficou guardado na casa de Edelvânia e Kelly teria dito que voltaria com o menino "na quinta ou sexta-feira e que de segunda-feira não passaria".
Edelvânia sustentou à polícia que, no dia seguinte, quinta-feira, dia 3, voltou ao local para terminar de cavar a cova. Na sexta-feira, Kelly teria passado uma mensagem informando que estava indo para Frederico e teria usado um "código" combinado por elas para confirmar que Bernardo estava junto. Teria sido por volta do meio-dia de 4 de abril.
"A depoente já estava esperando lá embaixo do prédio onde mora, tendo Kelly estacionado a camioneta do lado do Siena e o menino desceu e entrou no Siena. Que as coisas já estavam no porta-malas, a cavadeira, a pá, a soda e as 'coisarada' do kit do remédio que Kelly já tinha deixado com a depoente na quarta-feira e que iria usar para matar o guri."
Edelvânia contou que "não teve sangue, apenas da picadinha". As roupas do menino, a seringa e outros materiais foram colocados no lixo. Ela disse que recebeu no dia 2 R$ 6 mil, que usou para pagar uma parcela do apartamento comprado por R$ 96 mil. O acerto total seria de um pagamento de R$ 20 mil, mas, segundo Edelvânia, depois Kelly teria se disposto a pagar o total que faltava para quitar o apartamento.
"Que Kelly lhe ofereceu muito dinheiro e a depoente foi fraca, mas era muito dinheiro e não teria sangue nem faca, era só abrir um buraco e ajudar a colocar dentro o menino (…) Que Kelly tinha lhe prometido no início R$ 20 mil, mas depois lhe disse que daria o apartamento inteiro, pagando R$ 90 mil que faltava para a depoente", justificou Edelvânia à polícia.
Ao encerrar o depoimento, Edelvânia afirmou que "somente ela e Kelly sabem sobre o fato. Que antes de hoje (dia 14, quando confessou) já teve vontade de contar para outra pessoa o que tinha feito, mas não contou por vergonha de sua mãe e pensou na sua pequena (referindo-se a sua sobrinha)."
Contraponto
Procurado para falar sobre os detalhes do crime e sobre o que seu cliente contou em depoimento à polícia na semana passada, o advogado Jader Marques, que defende Leandro Boldrini, se negou a comentar a confissão de Edelvânia, mas disse estar surpreso com o fato de a informação de que seu cliente não sabia do crime nunca ter sido divulgada pela polícia. Edelvânia e Graciele não têm advogado atuando no caso.