Símbolos da polarização no Brasil, o presidente Lula e o antecessor Jair Bolsonaro vivem momentos desafiadores. Segundo as pesquisas, o petista enfrenta um processo acelerado de desgaste de imagem e lida com um percentual de reprovação acima de 60% nos principais colégios eleitorais. A perda de popularidade ocorre até em tradicionais redutos do PT e fez aumentar a especulação de que o mandatário, por medo de ser derrotado, pode desistir da campanha à reeleição em 2026. Já o capitão não pode concorrer na próxima sucessão presidencial, a não ser que haja uma reviravolta jurídica ou no Congresso. Bolsonaro está inelegível e ainda corre o risco de ser punido com até quarenta anos de prisão, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) o condene por liderar uma trama golpista que tinha o objetivo, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), de implodir a democracia e garantir sua permanência no poder. Hoje, o cenário é de incerteza para os dois maiores líderes políticos do país, o que tem impulsionado a elaboração de planos alternativos. À direita, o principal deles tem nome e sobrenome, não é exatamente uma novidade, mas começa a deixar o estado de hibernação.
Políticos de diferentes partidos e empresários avaliam que a impopularidade de Lula e as restrições judiciais de Bolsonaro criaram as condições ideais para viabilizar a candidatura ao Palácio do Planalto do governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos). Em público, ele diz que concorrerá a um novo mandato no Palácio dos Bandeirantes e defende a candidatura do inabilitado Bolsonaro em 2026. Move-se, portanto, com cautela e lealdade ao padrinho político. Nos bastidores, no entanto, há sinais de que Tarcísio flerta cada vez mais com a possibilidade de disputar a Presidência no ano que vem. Pelo menos essa é a visão neste momento dos líderes de legendas de centro e de direita que querem vê-lo alçando um voo mais alto. Os preparativos desses caciques para o plano presidencial do governador estão em curso e envolvem dirigentes de siglas como Republicanos, PP e União Brasil, que comandam ministérios no governo petista. Eles acreditam que — se a conjuntura não mudar e Bolsonaro não superar seus obstáculos na Justiça — receberão o aval do ex-presidente para levar o projeto adiante.
Presidente do PP e chefe da Casa Civil no governo Bolsonaro, o senador Ciro Nogueira já realizou pelo menos três encontros em sua casa para tratar sobre 2026. Ele reuniu um especialista em pesquisas para discorrer sobre as tendências do eleitorado, presidentes de legendas, parlamentares e dez governadores. Entre eles, o próprio Tarcísio e os também presidenciáveis Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Romeu Zema (Novo-MG). Ninguém externará essa opinião em público, mas há o consenso de que Bolsonaro não recuperará os direitos políticos até 2026. Diante disso, há a necessidade de construir quanto antes uma candidatura forte e, de preferência, capaz de unir a direita contra o governo. Se houver unidade em torno de um nome, a chance de vencer Lula, ou um concorrente indicado por ele, é considerada maior. A predileção do grupo de articuladores é pelo governador de São Paulo, cuja gestão é aprovada por 61% dos paulistas, segundo pesquisa Genial/Quaest. O desafio é convencer os demais a abrir mão. Do inelegível Bolsonaro a outros governadores de oposição, todos querem continuar no páreo até onde for possível. Mas há a percepção de que alguns deles podem recuar se Tarcísio assumir a candidatura.
Único até agora a se apresentar para a disputa, Caiado afirmou a VEJA ser um erro a direita ter apenas um representante na eleição presidencial e alegou que essa estratégia favorece o presidente, que tem a máquina na mão. “Não há esse compromisso. No momento em que sai um candidato de cada partido, ele vai dar conta de mobilizar pelo menos o eleitorado de sua região. Depois, quem chegar ao segundo turno terá o apoio dos demais”, diz o governador de Goiás. Na quarta 5, ele anunciou como seu companheiro de chapa o cantor sertanejo Gusttavo Lima.
Além de tentar um difícil acordo de união, os articuladores de uma candidatura forte de direita precisam administrar um problema ainda maior: Jair Bolsonaro. A insistência do capitão para continuar no jogo é o principal entrave para as tratativas em curso. Como o ex-presidente é o maior cabo eleitoral da direita, ele não pode ser atropelado nem confrontado por integrantes do grupo. Não é só uma questão de lealdade, mas de cálculo político. Apesar do cerco judicial, o capitão é campeão de votos e tem potencial para eleger até “postes”, como fez ao consagrar o próprio Tarcísio, um neófito em eleições, que, com a bênção do ex-presidente, não teve dificuldades para se eleger governador do estado mais importante do país. O problema é que Bolsonaro também já se mostrou extremamente eficiente para acabar com a carreira de aliados que, segundo ele, traíram sua confiança. Por isso, ninguém quer entrar em sua lista de desafetos. Anfitrião das reuniões do grupo que discutiu em sua casa o plano Tarcísio, Ciro Nogueira é um dos mais empenhados em evitar a armadilha. Ele confirmou a VEJA os encontros, mas disse que o objetivo era tratar da conjuntura nacional e, como reza a cartilha para manifestações públicas, declarou que seu candidato em 2026 é Bolsonaro.

Repetindo Lula em 2018, quando o petista estava preso pela Operação Lava-Jato, o ex-presidente cogita levar sua candidatura presidencial até o limite. É uma forma de manter sua liderança na direita e também o poder de indicar seu eventual substituto. Bolsonaro garante que não há plano B, mas, se tiver de apontar alguém, insinuou em entrevistas que seria um de seus filhos com mandato no Congresso, o deputado Eduardo ou o senador Flávio, ou a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Segundo o Paraná Pesquisas, Michelle venceria Lula por 42,9% contra 40,5%, num embate direto entre os dois. Em uma simulação genérica de primeiro turno, ela também ficaria à frente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por 30,2% a 18,8%. Ao mesmo tempo, o capitão já disse também que prefere Michelle e Eduardo na disputa ao Senado em 2026.
A despeito dos enroscos na Justiça, que tendem a piorar ainda mais daqui para a frente, o sobrenome continua sendo uma força inegável à direita. O entorno de Bolsonaro calcula que qualquer nome indicado por ele terá, na largada, cerca de 30% das intenções de votos. Mas o herdeiro também carregará a rejeição do ex-presidente. E aí há o entendimento de que a rejeição será maior se o ungido também tiver o sobrenome Bolsonaro. Até por ser menos conhecido nacionalmente, Tarcísio não carrega por enquanto tanta aversão. De acordo com a Genial/Quaest, a rejeição ao governador é de 32%, enquanto as de Michelle e Eduardo Bolsonaro são de, respectivamente, 49% e 55%.
Chamado de “capita” pelo ex-presidente, em referência à patente dos dois quando encerraram suas funções no Exército, o governador paulista mantém encontros com o antigo chefe e se coloca como um bastião na defesa dele. “Jair Bolsonaro é a principal liderança política do Brasil. Esse é um fato. Bolsonaro jamais compactuou com qualquer movimento que visasse à desconstrução do estado democrático de direito. Esse é outro fato. Estamos juntos, presidente”, escreveu Tarcísio, um dia após a denúncia da PGR ao Supremo. O governador deve participar do ato organizado para o próximo domingo, 16, quando Bolsonaro quer lotar as ruas de Copacabana, no Rio de Janeiro, numa manifestação pró-anistia pensada também como uma demonstração de força do político. Os gestos de lealdade não impedem que Tarcísio adote um estilo diferente. Com passagem pelo governo Dilma Rousseff, ele tenta construir um perfil mais moderado e conciliador, vendido por seus aliados como um importante trunfo eleitoral. No último dia 27, ele participou ao lado de Lula do lançamento do edital da obra de construção de um túnel entre as cidades de Santos e Guarujá.

No encontro, apoiadores e ministros de Lula gritaram “sem anistia” e lembraram a tentativa de golpe. “Enquanto alguns maquinavam o assassinato de seus adversários, o presidente Lula promove o diálogo e estende as mãos em benefício do povo e do desenvolvimento do Brasil”, discursou o vice Geraldo Alckmin. O presidente, por sua vez, afirmou que a fotografia da solenidade registrou um novo momento do país. “Eu não estou propondo casamento para ele (Tarcísio), nem ele para mim. O que nós estamos propondo é um jeito de trabalhar junto”, disse Lula. Tarcísio agradeceu o presidente pela ajuda federal e lembrou de uma conversa entre os dois na qual ressaltaram que não havia espaço para disputas políticas. “É o que estamos fazendo no dia de hoje: atendendo o cidadão”, discursou o governador. Outra diferença está no trato com o Judiciário. Enquanto Bolsonaro mantém os ataques ao STF, Tarcísio adota um tom conciliatório e prega uma relação cortês com os principais ministros, inclusive com Alexandre de Moraes, relator de ações contra o ex-presidente. Construir pontes — inclusive metaforicamente — pode facilitar uma futura candidatura presidencial do governador, que ganhou visibilidade nacional justamente como ministro da Infraestrutura.
Antes de abrir espaço para um aliado, Bolsonaro quer ter a certeza de que o candidato escolhido por ele trabalhará por sua anistia ou indulto em caso de condenação à prisão. Quanto maior for a pena imposta, maior a chance de o capitão acatar alguém de perfil moderado e que tenha a aderência de outros partidos. “Acho que, com o tempo, a predominância de Lula e de Bolsonaro vai começar a decantar. Eles sabem que a reprodução da polarização tem fatores benéficos para ambos e por isso forçam a manutenção desse cenário”, afirma Alberto Aggio, professor e pesquisador de história política. “Mas o Brasil nunca foi um país onde a política permanece muito tempo estática. Sempre há mudanças significativas, porque ninguém fica parado. E todos esses políticos vão evitar, em primeiro lugar, um confronto com os dois líderes”, acrescenta Aggio. É o que Tarcísio tem feito. A disputa interna na direita é acirrada, envolve uma penca de governadores e tem espaço até para especulações sobre outsiders. Além disso, o fator Lula será decisivo.
A lógica é simples: quanto mais frágil a situação do presidente, maior a chance de Tarcísio desistir da reeleição em São Paulo e concorrer ao Planalto. Na hipótese de o petista e Bolsonaro ficarem fora do páreo, uma candidatura do governador se tornaria ainda mais provável. Ao redor de Tarcísio, o dito de que um cavalo encilhado não passa duas vezes no mesmo lugar nunca foi tão repetido. Defensores da candidatura presidencial dele afirmam que, se não entrar na disputa de 2026, poderá perder uma chance de ouro e ficar para trás. O governador, porém, joga com o tempo e com os resultados de sua bem avaliada administração. Hoje, a pressa se impõe a Lula e a Bolsonaro. Se os dois não se livrarem de suas dificuldades particulares, a raia ficará aberta para quem corre por fora. Tarcísio está jogando parado: insinua não ter interesse pela Presidência, demonstra lealdade a Bolsonaro e dialoga com integrantes de todos os poderes, de Lula a ministros do Supremo. Com cuidado e se beneficiando da fragilidade dos dois principais líderes políticos do país, o governador tem ganhado prestígio e subido na bolsa de apostas. A estratégia é clara. Se será candidato, só o tempo dirá.
Os planos B
Se a articulação para ter Tarcísio de Freitas como candidato ao Planalto não prosperar, a oposição trabalha com algumas alternativas

Ronaldo Caiado (União Brasil)
Disposto a lançar a candidatura já no próximo mês, tendo como companheiro de chapa o cantor Gusttavo Lima, o governador de Goiás pretende usar os bons índices em segurança e educação como bandeiras na campanha

Romeu Zema (Novo)
O governador de Minas Gerais prega a união da direita para fortalecer o campo em 2026. Recentemente, gravou vídeo comendo uma banana com casca para criticar a inflação dos alimentos no governo Lula

Ratinho Jr. (PSD)
O governador do Paraná é um dos mais bem avaliados do país, mas ainda é pouco conhecido fora do estado. Entusiastas de sua candidatura defendem que ele use o pai, o apresentador Ratinho, para se popularizar nacionalmente

Eduardo Leite (PSDB)
Apesar da tragédia das enchentes no ano passado, o governador do Rio Grande do Sul tem a aprovação de mais de 60% dos gaúchos. É a principal — e única — aposta do PSDB para que a legenda tenha algum protagonismo nas eleições de 2026

Michelle Bolsonaro (PL)
Evangélica, a ex-primeira-dama nunca concorreu a nenhum cargo, mas aparece bem posicionada nas pesquisas. Recentemente, Jair Bolsonaro admitiu que ela seria um “bom nome” para o Planalto, mas depois recuou
Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934