Criminalistas opinaram sobre gravação de briga de madrasta com o menino.
Advogado salienta, porém, que diálogo não teria relação direta com crime.
Estêvão PiresDo G1 RS
O vídeo obtido em uma perícia no telefone celular de Leandro Boldrini, pai do menino Bernardo, que mostra uma briga entre a família e o garoto, pode comover um eventual júri popular no processo sobre o assassinato do menino de 11 anos, ocorrido em abril, no Rio Grande do Sul. A avaliação é de especialistas consultados pelo G1, após a divulgação do áudio com o pedido de socorro do garoto (ouça no vídeo acima), seguido de ameaças da madrasta. O material foi anexado ao processo e será usado como prova pela acusação.
Na terça-feira (27), a Justiça de Três Passos, no Norte do estado, realizou a primeira audiência de instrução do processo. Em mais de 11 horas, foram ouvidas quatro testemunhas de acusação. Uma nova audiência para ouvir outras sete testemunhas foi marcada para 8 de setembro. Ao todo, 77 pessoas devem ser interrogadas, além dos quatro réus. Depois disso, o juiz decidirá se os acusados irão ou não a júri popular.
O corpo de Bernardo foi achado no dia 14 de abril enterrado em um matagal em Frederico Westphalen, a cerca de 80 quilômetros de Três Passos, onde ele morava com a família. Ele estava desaparecido desde 4 de abril. São acusados pelo crime o pai dele, Leandro Boldrini, a madrasta, Graciele Ugulini, a amiga dela, Edelvânia Wirganovicz, e o irmão, Evandro Wirganovicz. Eles estão presos e respondem pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver.
Com mais de quatro décadas e meia de atuação como advogado criminalista no estado, Amadeu Weinmann entende que não há dúvidas sobre o impacto do material divulgado nesta quarta-feira sobre eventuais jurados. “Indubitavelmente vai influenciar na opinião deles”, diz o criminalista. Weinmann também salienta que o diálogo revela uma ameaça sendo feita pela madrasta, Graciele Ugulini.
O também advogado criminalista e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) Marcos Eberhardt, no entanto, pondera que o material não seria relacionado diretamente à morte do menino, mas sim ao contexto conturbado familiar dos Boldrini. “O áudio tem relevância isoladamente, mas não consigo entender qual relevância vai ter dentro do processo. A relação (da família) era doentia, isso chama bastante atenção. É pesadíssimo e pode ser considerado por jurados, pela dor que causa ao ser ouvido”, afirmou.
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“Há uma gritaria de socorro assustadora. Mas o mais grave vem mais adiante, quando ela diz que o menino não sabe o que ela é capaz de fazer. Isso é uma ameaça. O que eu depreendo, de uma interpretação literal do debate, é que realmente Graciele perdeu a paciência com Bernardo e ele reagiu forte dizendo que ela bateu”, acrescentou Weinmann.
Eberhardt também avaliou a postura do pai, Leandro Boldrini, que, para Weinmann, foi distinta. “Ele interfere de uma maneira apaziguadora. Dá a entender que o Bernardo xingou a Graciele. Novamente tentando apaziguar, ele diz ‘que ninguém merece ser xingado’. Não vejo outra participação que não seja de tentar acalmar. Vejo uma briga de família. E parece que a Graciele perdeu as estribeiras”.
O criminalista, porém, lembrou que, tecnicamente, haveria a chance de a prova não ser incluída do processo, pois não teria relação direta com o crime. “Na minha opinião, não atrapalha a defesa. Pois não enxergo isso ligado ao fato. É um contexto isolado. Isso não foi um prelúdio. Mas, até pela exposição na imprensa, é muito possível que os jurados se comovam", destacou Eberhardt.
Para o advogado Jader Marques, que defende o pai do menino, o material não só ajuda seu cliente como comprova a falta de provas da acusação. Jader reforça a inocência do pai de Bernardo como mentor do crime. "Ele aceitou uma relação péssima da madrasta com o seu filho. Os vídeos são realmente muito fortes, relevantes, mas que não têm nenhuma vinculação com o homicídio”, sustentou Jader. O advogado de Graciele, Vanderlei Pompeu de Mattos, disse que a defesa dela só irá se manifestar nos autos do processo.
Veja a transcrição (alguns trechos são inaudíveis)
Bernardo: Socorro.
Leandro: Vamos se acalmar. Vai para o teu quarto.
Bernardo: Socorro (…) vai me agredir. Socorro, socorro, socorro.
Graciele: (inaudível) Vai lá pedir socorro, vai lá.
Bernardo: Vão vocês!
Leandro: Quem que começou a bagunça?
Bernardo: Vocês me agrediram, tu me agrediu.
Graciele: E vou agredir mais. A próxima vez que tu abrir a boca para falar de mim, eu vou agredir mais.
Leandro: Xingando ela. Ninguém merece ser xingado, né, rapaz.
Graciele: Eu vou agredir mais, eu não fiz nada em ti.
Bernardo: Fez sim. Tu me bateu.
Graciele: Tu não sabe do que eu sou capaz.
Bernardo: Tu me bateu.
Graciele: Tu não sabe.
Bernardo: Tu me bateu.
Graciele: Eu não tenho nada a perder, Bernardo. Tu não sabe do que eu sou capaz. Eu prefiro apodrecer na cadeia a viver nesta casa contigo incomodando. Tu não sabe do que eu sou capaz.
Bernardo: (inaudível) Queria que tu morresse
Graciele: Tu não sabe do que eu sou capaz. Vamos ver quem tem mais força. Aí nós vamos ver quem tem mais força.
Bernardo: Quando tu morrer
Graciele: É, vamos ver quem vai para baixo da terra primeiro
Bernardo: Tu. Tu vai
Graciele: Então tá, se tu tá dizendo.
do Rio Grande do Sul (Foto: Reprodução/RBS TV)
Entenda
Conforme alegou a família, Bernardo teria sido visto pela última vez às 18h do dia 4 de abril, quando ia dormir na casa de um amigo, que ficava a duas quadras de distância da residência da família. No dia 6 de abril, o pai do menino disse que foi até a casa do amigo, mas foi comunicado que o filho não estava lá e nem havia chegado nos dias anteriores.
No início da tarde do dia 4, a madrasta foi multada por excesso de velocidade. A infração foi registrada na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. Graciele trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que ela estava acompanhada do menino.
O pai registrou o desaparecimento do menino no dia 6, e a polícia começou a investigar o caso. No dia 14 de abril, o corpo do garoto foi localizado. Segundo as investigações da Polícia Civil, Bernardo foi morto com uma superdosagem de um sedativo e depois enterrado em uma cova rasa, na área rural de Frederico Westphalen.
O inquérito apontou que Leandro Boldrini atuou no crime de homicídio e ocultação de cadáver como mentor, juntamente com Graciele. Ainda conforme a polícia, ele também auxiliou na compra do remédio em comprimidos, fornecendo a receita Leandro e Graciele arquitetaram o plano, assim como a história para que tal crime ficasse impune, e contaram com a colaboração de Edelvania e Evandro.