Em votação acompanhada por galerias divididas entre favoráveis e contrários, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou nesta terça-feira (9), por 30 votos a 14, o projeto de lei 344/2023, de autoria do deputado estadual delegado Zucco (Republicanos), que autoriza o Poder Executivo a instituir o Programa das Escolas Cívico-Militares do Estado. Na prática, o projeto permite que o Estado mantenha as cerca de 80 escolas cívico-militares existentes no Estado após o governo Lula extinguir o programa criado pelo governo de Jair Bolsonaro.
De acordo com Zucco, o projeto busca corrigir o problema criado pela extinção do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), em julho de 2023, que deixou o funcionamento das escolas que aderiram ao modelo durante o governo Bolsonaro sem respaldo legislativo.
“As escolas estaduais que já seguem o modelo cívico-militar ficaram órfãs de uma legislação. O PL 344 cria o modelo cívico-militar no estado do Rio Grande do Sul, aos moldes do que já acontece no Paraná, Mato Grosso, Goiás, São Paulo, eliminando essa falha legislativa e prevendo o modelo cívico-militar nas escolas estaduais e municipais do Rio Grande do Sul, sempre com ampla consulta à comunidade. Nada será imposto, nenhuma escola será definida como escola cívico-militar, senão aquelas que quiserem aderir ao programa por meio de uma votação dos professores e dos pais e dos alunos em cada município”, diz o deputado.
Zucco pontua que, atualmente, 26 escolas estaduais e 60 municipais adotam o modelo cívico-militar no Estado. Além de estabelecer um regramento estadual para essas escolas, o PL 344 permite que guardas municipais atuem nas escolas, somando-se a militares e brigadianos da reserva e aposentados.
Para a deputada Sofia Cavedon (PT), não há base legal para o modelo de escolas cívico-militares. “O governo federal entendeu que não tem base na legislação brasileira, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que define quais são os profissionais que atuam na educação. Todos eles começam com o professor, um especialista em nível médio, ou especialista em licenciaturas, ou em ensino técnico. Segundo, qual a formação exigida? A formação passa por licenciaturas plenas, por formação na área de magistério ou formação na modalidade normal. E terceiro, porque o artigo 5º para o artigo 144 da Constituição também define o que cabe a polícias militares, que é a polícia extensiva, é a preservação da ordem pública. Então, com base nisso, o governo federal extinguiu um programa que não tinha inclusive base no plano nacional de educação que está em vigor, é uma lei nacional”, afirma Sofia.
O deputado Leonel Radde (PT) argumenta que os defensores das escolas cívico-militares tentam confundir a opinião pública com a ideia de que as instituições poderão virar escolas militares aos moldes do tradicional colégio de Porto Alegre.
“O que acontece é que as escolas cívico-militares simplesmente pegam policiais que estão na reserva e trazem para dentro dessas escolas ganhando um valor muito superior ao que os professores ganham. Não há um investimento direto nos profissionais da educação. Quando existe algum tipo de melhoria, é justamente vincular que as escolas, para receberem melhorias estruturais, precisam ser escolas cívico-militares. Os institutos federais, por exemplo, que têm resultados superiores inclusive das escolas militares, são civis, são de turno integral, têm toda uma estrutura, mas valorizam os profissionais, têm professores capacitados, qualificados, que são incentivados à melhoria técnica. É isso que a gente tem que buscar, e não simplesmente colocar um policial que está aposentado para fazer alguma gestão numa escola, algo que ele nunca foi capacitado para fazer”, diz.
Sofia também pontua que, a partir de uma ação do Cpers, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) suspendeu a implementação de novas escolas no âmbito do programa e que decisões judiciais já derrubaram programas similares ao proposto no atual projeto de lei em outros estados. “Nós não podemos autorizar porque a justiça não autoriza. E nós também não podemos autorizar porque os preceitos legais da educação brasileira não autorizam”, diz a deputada.
Rosane Zan, tesoureira-geral e diretora da Comissão de Educação do Cpers, explica que a posição do sindicato no Estado e a nível federal, por meio da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), é contrária à aprovação de programas que recriam a escola cívico-militar nos estados.
“Temos um parecer do nosso jurídico de que é inconstitucional esse projeto. Nós vamos entrar na Justiça para tratar do tema. Não é com a disciplina militar que nós vamos disciplinar os nossos alunos. Ao contrário disso, a disciplina se faz com bons professores, com formação da educação, a formação continuada dos professores, dos funcionários de escola. É assim que nós teremos essa escola de qualidade”, diz.
O parecer do jurídico do Cpers (ver abaixo) avalia que a inconstitucionalidade se dá pelo fato de que o projeto de lei busca modificar o ensino estabelecido pelas constituições federal e estadual, bem como violaria o princípio fundamental do ensino público. Além disso, argumenta que o projeto vai de encontro ao princípio da gestão democrática de ensino garantido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e pela Lei Estadual nº 16.088/2024, “na medida em que coloca em risco a autonomia político-pedagógica e administrativa das escolas estaduais em caso de aprovação”.
O parecer defende ainda que há vício de origem na iniciativa, uma vez que a competência da matéria deveria ser do Poder Executivo, pois, caso entre em vigor, promove aumento de despesas e altera de atribuições de secretarias e órgãos da administração pública, o que seria prerrogativa exclusiva do governador.
O PL 344 autoriza o governo a implementar o modelo de escola cívico-militar no RS, mas não tem caráter impositivo, podendo o governo estadual não levar adiante o programa. Contudo, para a oposição, diante dos questionamentos legais à proposta, o governador Eduardo Leite deveria vetar o projeto para que não haja dubiedade legal. Caso não haja veto, a expectativa é de que a oposição questione a matéria na Justiça.