Representantes de parte da categoria consideram propostas do governo insuficientes para encerrar mobilização nacional
Nem mesmo o anúncio de um acordo para colocar fim à greve dos caminhoneiros, feito na noite de quinta-feira (24) pelo Palácio do Planalto, promete por fim à paralisação. No dia em que as mobilizações completam cinco dias, o clima é de incerteza nos setores afetados pelos protestos. Aqui no Rio Grande do Sul, parte da categoria garante que não vai “arredar o pé”. Nesta sexta-feira (25), há pelo menos 15 pontos de concentração de caminhoneiros em rodovias do Estado.
— Isso não resolve. Não vai dialogar com a categoria. Esse acordo não traz pontos essenciais, como o piso mínimo de frete e a redução de PIS/Cofins, onde governo e nem Congresso chegam em um acordo para zerar — argumentou o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí, Carlos Alberto Litti Dahmer, que foi convidado a se retirar da reunião com o governo por não concordar com os termo do acordo proposto.
Dahmer, que representa cerca de 18 mil caminhoneiros de 150 municípios do noroeste gaúcho, não acredita na dissolução do movimento tanto no Estado quanto no país. A opinião é compartilhada pelo presidente da Associação dos Caminhoneiros de Soledade, Felipe Corneli. Para ele, na região, a categoria não deve aderir ao acordo sugerido pelo governo por não julgar a proposta suficiente.
— O governo quer desmobilizar o movimento. Vamos continuar do jeito que está. Firme, com os produtores e a sociedade do nosso lado. Essas propostas dele (governo) são bobagens. Em 15 dias, eles voltam tudo ao normal.
A Federação dos Caminhoneiros Autônomos (Fecam) no Rio Grande do Sul diz que não vai se posicionar, deixando a categoria livre para decidir se acata ou não a proposta do governo.
À frente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Diumar Bueno afirma que a paralisação acabou:
— Não vejo necessidade (de continuar a greve), porque as conquistas firmadas de fato já dão condição de estabilidade para a categoria. A começar pela redução no óleo diesel. Uma redução de 10% e política de reajuste a cada 30 dias é um alívio, diante do trauma que a categoria estava vivendo — disse.
Mesmo após o acordo, pelo menos mais oito Estados, além do Rio Grande do Sul, e o Distrito Federal têm protestos. São eles: Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo .
Como ficam os serviços:
Diante das incertezas em relação à greve, alguns serviços foram reduzidos ou suspensos. Em Porto Alegre, os ônibus terão o mesmo esquema de horários reduzidos nesta sexta-feira (25): nas horas de pico (pela manhã das 4h30min às 8h30min e, à tarde, das 17h às 19h30min), os consórcios operarão normalmente. Das 8h30min e após as 19h30min, as linhas funcionarão apenas de hora em hora.
Instituições de ensino como UFRGS, UERGS, Feevale e Unicruz suspenderam as atividades na sexta e no sábado (26). O serviço de abastecimento de água também está em risco, caso a paralisação se mantenha. A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) informou que pode ocorrer falta de água no sul e centro do Estado em decorrência da falta de químicos para tratamento da água.
O abastecimento de combustíveis nos postos e de alimentos nos supermercados também estão ameaçados. Ontem, o corre-corre da população esgotou combustíveis e alguns produtos dos mercados.
Ônibus de Porto Alegre e Região Metropolitana passam a operar com horários reduzidos
Coletivos vão operar com a tabela de sábado na maior parte do dia, exceto em horários de pico
Com a continuidade da greve dos caminhoneiros, os ônibus de Porto Alegre terão, na sexta-feira (25), o mesmo esquema de redução de horários usado nesta quinta-feira (24). O motivo é a dificuldade de abastecimento de combustível.
Na Região Metropolitana, a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional(Metroplan) autorizou que as empresas de ônibus intermunicipais da Região Metropolitana passem a operar com a tabela horária de sábado nos horários de menor movimento na quinta-feira, medida que será repetida na sexta.
De acordo com a Associação dos Transportadores Intermunicipais Metropolitanos de Passageiros (ATM), as empresas trabalham com um estoque estratégico e que, com a medida aprovada pela Metroplan, o funcionamento está garantido por mais alguns dias.
— As empresas terão o bom senso de reforçar os horários nos momentos em que esta tabela ficar insuficiente. Se não houvesse nada, até o final de semana estaríamos sem combustível — ressalta o gerente da ATM, Érico Michels.
Em Porto Alegre, a decisão da EPTC ocorreu “para possibilitar a prestação do serviço por um maior número de dias possíveis nos horários de demanda mais intensa da população. As lotações funcionarão normalmente “, disse o órgão, em nota. Linhas da Carris que têm derivadas ou direta com itinerário semelhante, como 343 e D43; T1 e T1D; T2 e T2A; T12 e T12A, têm intervalo de 30 minutos entre elas.
Na quarta (23), o diretor-executivo da Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP), Gustavo Simionovschi, disse algumas empresas tinham estoque de combustível para operar apenas durante um dia.
“Há empresas que só têm estoque do produto para hoje. E há outras que têm estoque para apenas mais um ou dois dias de operação. É uma situação que foge do controle das empresas, embora considerem que a motivação das manifestações é justa”, justificou por meio de nota.
Nota da Metroplan na íntegra:
” Considerando a dificuldade de abastecimento de combustível (diesel), já identificado nas empresas de ônibus, a direção da Metroplan autorizou, por cautela, que as empresas circulem com escala de sábado, nos horários de baixa demanda.
Todas as ações estão sendo adotadas com o objetivo de garantir a continuidade dos serviços e reduzir eventuais problemas.
De qualquer forma os horários de pico estão garantidos com a tabela normal.”
Nota da EPTC na íntegra:
“Operação será normal nos picos e de hora em hora nos demais horários
O transporte coletivo de Porto Alegre terá um atendimento emergencial nesta quinta-feira, 24, em razão da falta de combustível pela greve dos caminhoneiros. Em reunião na tarde desta quarta-feira, 23, com a direção da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), onde participaram representantes da Carris, Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) e Consórcios de ônibus, ficou definida uma operação normal nos picos da manhã até 8h30min, e também à tarde, das 17h às 19h30.min
Nos demais horários, as viagens serão de hora em hora. A forma de atendimento durante a noite será divulgada na tarde desta quinta-feira, 24. A decisão acontece para possibilitar a prestação do serviço por um maior número de dias possíveis nos horários de demanda mais intensa da população. As lotações funcionarão normalmente.”
Filas, bate-boca e escassez: o dia em que quase acabou o combustível em Porto Alegre
Sem receber reposição, os estoques dos postos baixavam rapidamente, em movimento acelerado pelo corre-corre dos motoristas
O cenário de quem precisou abastecer em Porto Alegre nesta quinta-feira (24) foi desanimador: filas de carros que davam voltas nas quadras prenunciavam horas de espera para ter vez nas bombas. Do início da manhã até o entardecer, a busca por combustível causou transtornos na Capital.
— Fiquei mais de uma hora na fila, com medo de a gasolina ter acabado quando chegasse minha vez. Felizmente, consegui abastecer — disse a farmacêutica Tatiana Ness, 39 anos.
Ela saiu de casa às 8h de quinta, no bairro Ipanema, zona sul da Capital, e ao longo do trajeto até o trabalho viu apenas um posto ainda com combustível – e com extensa espera de veículos. Uma dezena de outros estabelecimentos pelo caminho estavam secos. Preocupada, decidiu dedicar a manhã para procurar gasolina; encontrou na avenida Getúlio Vargas, onde a fila dava volta na quadra. Para encher o tanque de 45 litros, gastou R$ 224 (R$ 4,89 o litro da aditivada, única opção disponível).
— Está uma fortuna, mas no desespero não tem como escapar — desabafou.
Na Avenida Ipiranga, próximo ao cruzamento com a Avenida Silva Só, um posto vendia apenas etanol. Motoristas angustiados com a espera desciam dos carros para ver se ainda haveria oferta quando chegasse sua vez. Muitos enchiam o tanque e ainda carregavam galões e garrafas pet de 5 litros. Certo momento, uma motorista furou a fila, subindo pela calçada e indo direto à bomba. Hostilizada por quem vinha atrás, desistiu de abastecer quando se deu conta que seu carro não era flex.
Com o passar das horas, mais postos encerravam as vendas e bloqueavam a entrada com cones e correntes plastificadas. Um dos últimos a ofertar combustível era um estabelecimento na esquina das avenidas Teresópolis e Vicente Monteggia, na Zona Sul de Porto Alegre. Para controlar a multidão, apenas duas bombas funcionavam, uma para motos e pedestres com galões, outra para automóveis. Ambulantes vendiam vasilhas de cinco litros por R$ 10 – vazios, claro. Dois brigadianos foram designados para acompanhar o movimento e atuar caso os ânimos se acirrassem.
— Ontem (quarta) enchi o tanque da moto e hoje (quinta) resolvi voltar para completar mais alguns galões. Dizem que essa loucura vai levar uns 15 dias, então vou me precaver por que preciso da moto para trabalhar — disse o motoboy Willian Henrique, 20 anos.
Mas a previsão (ou a esperança) de presidente do Sulpetro, João Carlos Dal’Aqua, é mais otimista. Ele esperava ainda para a noite de quinta trégua dos caminhoneiros para que as distribuidoras fossem liberadas. Alguns poucos caminhões-tanque que ainda circulavam escoltados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) abasteceriam os postos com uma gasolina reservada para forças de segurança. Não estava previsto reabastecimento para o consumidor comum.
— Mesmo que a greve encerre hoje (quinta), levará pelo menos uma semana para que a situação se normalizasse nos postos, uma vez que seria necessário reestabelecer a cadeia, com uma demanda grande de todos os postos — explicou Dal’Aqua.