Oficial reitera contrariedade com libertação de adolescente apreendido duas vezes em três dias com duas armas diferentes e diz que sociedade vai pagar um preço por isso
— Cadê o Poder Judiciário? Cadê o Ministério Público? Cadê o juiz da Infância e da Adolescência? Ele está esperando morrer um inocente? É isso que o juiz está esperando, para depois a BM ter que dar explicação da morte de um inocente? Pergunto ao juiz: esse menor não tinha que estar preso? Será que não está na hora de alguém criar vergonha na cara? E não é eu, nem a BM e a Polícia Civil — diz o oficial no vídeo.
O desabafo gerou milhares de compartilhamentos na internet, notas oficiais da BM, do Judiciário, do MP e muito debate. A Justiça, por exemplo, diz que não libertou o menor – que ele foi solto ainda na delegacia, pela Polícia Civil (que não se manifestou).
Quadros exerce o Comando Regional Centro-Sul da BM, “responsável por 11 municípios, 11 presídios e 9 mil presos”, salienta. Em entrevista exclusiva ao GaúchaZH, desde o sítio que mantém em Viamão, o coronel reiterou as críticas à libertação do menor infrator (a quem chamou “semente do mal”) e diz que pegou sarna ao ir atrás dos criminosos – tendo o dissabor de ver eles soltos dias depois. Confira:
Como está o retorno ao seu desabafo?
Coronel Paulo Ricardo Quadros – Até agora, sem pressões. Estou tranquilo. Tenho 34 anos de BM, fui baleado três vezes em serviço e, graças a Deus, sempre tive apoio na comunidade. Dessa vez prendemos 12 bandidos, apreendemos oito armas e a comunidade da Vila São Jorge, em Guaíba, nos agradeceu.
Por que o senhor decidiu agir?
A associação de moradores da Vila São Jorge é presidida por um senhor que virou cadeirante em decorrência de um tiroteio. Era envolvido no crime, hoje ele é um trabalhador. Ele pediu nossa ajuda e fomos lá. Prendemos uma quadrilha oriunda da Vila Nazaré e da Cohab Costa e Silva, em Porto Alegre, que decidiu migrar para o outro lado do Guaíba. Eles disparavam à esmo na rua, em briga com outro bando de criminosos. Uma guarnição nossa foi recebida a tiros. Reforçamos o efetivo e, em duas ações, prendemos a maioria deles. A maior surpresa foi deparar na quarta-feira com o adolescente, que tinha sido preso domingo. Na segunda vez, com uma pistola que atira como metralhadora. Uma barbaridade. Como ele já estava solto? Alguém falhou e não foi a BM. A sociedade vai pagar um preço por isso, infelizmente.
O Tribunal de Justiça afirma que o adolescente nem chegou a ver um juiz. Ele foi liberado pela Polícia Civil, antes de sua prisão ser formalizada…
Não vou me manifestar aqui para dizer se o guri foi liberado na DP ou no Judiciário. Só sei que estava solto três dias depois de ser apreendido com arma. Não só ele, os outros da quadrilha também. Um dos bandidos, o Eric, me disse que até ele ficou surpreso ao ser libertado. Isso está gravado. Vou dar minha opinião, do Paulo Quadros, cidadão a serviço da lei: não pode acontecer isso. Os PMs trabalharam cinco dias e quatro noites atrás desse bando. Eu estava com eles. Peguei sarna, a região é de banhado…para ver depois que eles estavam soltos. É um retrabalho. Quem falhou tem de ser responsabilizado. Se eu falhei, que eu também seja responsabilizado.
O senhor não teme se incomodar com essa polêmica?
Não. Não sou demagogo, sou operacional. Sou hoje o quinto coronel mais antigo da BM. Tenho curso superior, de Direito, e pós-graduação em Segurança Pública. Sei o que estou falando.
Em nota, o TJ afirma que o Judiciário não foi comunicado da apreensão do adolescente, que não foi encaminhado ao Juizado da Infância e Juventude. Ainda diz que o adolescente foi liberado pela própria Delegacia de Pronto Atendimento de Canoas e entregue aos responsáveis.
O Ministério Público também emitiu nota afirmando que não foi informado oficialmente da apreensão do adolescente. O MP vai encaminhar ofício à Corregedoria da Polícia Civil para apurar se houve falhas por parte do delegado de polícia que liberou o jovem. O órgão também vai encaminhar representação à Corregedoria da Brigada Militar por acreditar que a postura do coronel é incompatível com a função.
Já a Brigada Militar diz que as afirmações do vídeo são uma visão pessoal do coronel, sem qualquer vínculo com as concepções da corporação. A corregedoria da Polícia Civil ainda não foi notificada pelo Ministério Público.
Leia a nota do MP na íntegra:
” Com relação ao vídeo sobre a apreensão de adolescente em Guaíba, em que Coronel da Brigada Militar imputa omissão ao Ministério Público e ao Judiciário, o MP esclarece que:
Em nenhuma das duas ocasiões em que o adolescente foi apreendido e liberado pelo Delegado de Polícia houve sequer comunicação formal ou informal ao MP e ao Judiciário local.
Informa, ainda, que a Promotoria de Guaíba já solicitou à Delegacia de Polícia cópia de toda documentação existente sobre os fatos, a fim de fazer o devido encaminhamento para apuração dos ilícitos praticados e punição tanto do adolescente como dos adultos envolvidos, que responderão, respectivamente, nas esferas do Juizado da Infância e Juventude e Criminal.
Outrossim, a respeito das falhas funcionais cometidas pelo Delegado de Polícia responsável pelo caso, o Ministério Público encaminhará ofício à Corregedoria da Polícia Civil para apuração do ocorrido. Da mesma forma, em relação à postura do Coronel, incompatível com a função exercida na localidade, será encaminhada representação à Corregedoria da Brigada Militar.”
Leia a nota do TJ na íntegra:
“Em nenhum momento o Poder Judiciário foi comunicado da apreensão do adolescente, tampouco foi encaminhado ao Juizado da Infância e Juventude qualquer expediente relativo a este adolescente”. O esclarecimento é da Juíza de Direito que atua no Juizado da Infância e Juventude de Guaíba, Ana Paula Braga Alencastro.
O questionamento sobre a liberação do jovem, apreendido duas vezes com armas e drogas, foi feito por Coronel da Brigada Militar em vídeo que tem sido amplamente veiculado em redes sociais, cobrando a atuação do Judiciário e do MP no caso em questão.
Segundo consta, o adolescente foi liberado em ambas as ocasiões pela própria Delegacia de Pronto Atendimento de Canoas e entregue aos responsáveis.
Quanto aos adultos que acompanhavam o adolescente estão presos preventivamente.
O Presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça, Desembargador Túlio Martins, afirma que o Oficial da Brigada Militar deveria informar-se melhor antes de proceder a críticas superficiais.”
Gaúchazh
“A farda não abafa o cidadão no peito do soldado”, justifica associação de oficiais
Entidade presta apoio incondicional a coronel que criticou libertação de adolescente que portava armas
A Associação dos Oficiais da Brigada Militar (AsofBM) prestou apoio incondicional ao coronel Paulo Ricardo Quadros Remião, em sua crítica à libertação de um adolescente preso duas vezes com armas no curto espaço de três dias.
“A farda não abafa o cidadão no peito do soldado!”. Essa frase do General Osório, gaúcho legendário que participou dos principais eventos militares do final do século 19, herói da Guerra da Tríplice Aliança, pode traduzir a manifestação do coronel Quadros.
— Sem adentrar no mérito da manifestação, é fato que a sociedade não suporta mais o descaso com o direito fundamental da segurança, alicerce da dignidade da pessoa humana e princípio-reitor da Constituição de 1988 — resume o presidente da AsofBM, coronel Marcelo Gomes Frota.
Frota lembra que o “sistema de justiça criminal” também é integrado, além das polícias, pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público.
— E esse sistema tem demonstrado sua falência, seja por uma legislação ineficaz, seja pela transferência do problema exclusivamente ao Poder Executivo, de modo que a culpa acaba sendo sempre da polícia — critica o presidente da entidade de classe da BM.
Frota considera que os poderes do Estado devem assumir sua efetiva responsabilidade no âmbito do sistema de justiça criminal, ou o trabalho da polícia sempre será insuficiente para a resolução definitiva do problema da violência e da criminalidade.
— A sociedade gaúcha merece uma vida com tranquilidade e dignidade. Ao invés de despender energia criticando o coronel ou reprovando seu comportamento, devemos todos, agentes do Estado, unir esforços e assumir em conjunto a responsabilidade pela falência do atual modelo. Só assim, desprendidos do corporativismo, conseguiremos evoluir enquanto sociedade – conclui o dirigente da AsofBM.