O título desta matéria é o nome de uma nova publicação, lançada em julho pelo jornalista Nicholas Vital. Com análises de dados oficiais, entrevistas avaliações de estudos científicos recentes, o autor tenta desmistificar a agricultura, o uso de agroquímicos e mostrar que a produção de orgânicos também utiliza defensivos agrícolas. “A diferença entre os defensivos convencionais e os utilizado por orgânicos é que um é melhorado em laboratório e tem uma combinação de moléculas, e o outro é usado da forma bruta como se encontra na natureza”, explicou à Gazeta do Povo. Confira a entrevista na íntegra:
Gazeta do Povo – Começando pelo título do seu livro, por que devemos agradecer aos agroquímicos por estarmos vivos?
Nicholas Vital – Porque graças a eles temos comida em abundância e por um valor relativamente barato. Sabemos que se não fosse a tecnologia, não só de agroquímicos e fertilizantes, mecanização e sementes melhoradas, ainda estaríamos praticando uma agricultura rudimentar. A população mundial só conseguiu se desenvolver com o aumento da oferta de alimentos. Olhando para o passado, vemos grandes fomes que foram causada por pragas, como a fome da batata no Reino Unido. Como não havia insumos para combater invasores, isso gerou grandes fomes. Se não fosse pelos defensivos, iríamos voltar a passar fome em grande parte da população.
Apesar do nome forte e polêmico, meu livro é o muito ponderado. Eu não faço apologia ao uso indiscriminado [de agroquímicos] em nenhum momento e não tenho interesse em aumento de vendas. Meu objetivo é mostrar o outro lado de um debate que hoje só tem um lado: o do mercado de orgânicos, e que não reflete a realidade
GP – Até porque todas as produções, independente de serem orgânicas ou não, utilizam defensivos agrícolas, certo?
NV – Os defensores dos orgânicos que têm interesse econômico na situação contam a história sempre pela metade. É sempre uma história romântica de alimentar o mundo, mas não contam que na agricultura orgânica também pode-se usar enxofre que é uma substância altamente tóxica, ou sulfato de cobre, que é um produto para limpar piscinas. A diferença entre os defensivos convencionais e os utilizado por orgânicos é que um é melhorado em laboratório e tem uma combinação de moléculas, e o outro é usado da forma bruta como se encontra na natureza, o que não quer dizer que não seja toxico.
GP – Qual é a diferença da produção agrícola brasileira e a praticada em outros países, como nos Estados Unidos?
É importante lembrar que os orgânicos também precisam de defensivos, ainda mais no Brasil, que é uma agricultura tropical, e é alvo de pragas o ano todo. Essa é a diferença entre a agricultura do Hemisfério Norte e a do Brasil. Lá a neve esteriliza a terra, e os invasores não sobrevivem. É como se fosse o vazio sanitário que fazemos aqui. Aqui temos a sorte de um bom clima o ano todo, conseguimos cultivar até três safras por ano, mas o lado ruim é que as pragas tem comida 365 dias por ano, e você precisa quebrar esse ciclo.
GP – Então no Brasil é justificável o maior uso de agroquímicos?
NV – Muita gente fala que o Brasil é campão mundial no uso de agroquímicos. E é mesmo, mas em volume. Se você analisar a produtividade brasileira e comparar com uso, o Brasil não esta nem no top 5 entre os maiores usuários. O Japão, que é considerado um país avançado e com maior qualidade de vida, colhe 8 quilos para cada dólar investido em agroquímico. Já o Brasil produz 142 quilos por dólar investido e os Estados Unidos colhem 94 kg. É muito relativo falar que o Brasil utiliza mais, pois utilizamos 12 meses por ano, e os EUA [plantam] 8 meses por ano. O Brasil é campeão pelas circunstancia.
GP – Você diria que uma produção sem o uso de defensivos é mais perigosa para o ser humano do que aquelas com o uso de algum tipo de químicos?
NV – O que eu defendo são boas praticas agrícolas. O defensivo é como remédio. Para comprar precisa de um receituário agronômico, que explica de quanto em quanto tempo deve ampliar, e como deve aplicar, além do período de carência que é necessário esperar antes de colher. Se tudo isso for respeitado, não tem problema algum para o uso. Assim como humanos elimina resíduos de remédios, o mesmo acontece com a planta. Se você esperar o momento certo, ou não vai ter resíduo ou vai ter algo insignificante e seguro, estabelecido pelo Codex Alimentarius, um guia padrão para o mundo todo.
GP – Pode citar um exemplo de caso em que o orgânico seria mais perigoso?
NV – Primeiro preciso deixar claro que não sou contra os orgânicos, mas eles representam apenas 1% do mercado e querem impor para 99% dos consumidores. Eles são [produtos] complementares: é preciso ter ambas as produções, orgânica e convencional, da forma correta. Mas os orgânicos podem sim ser muito perigosos. O caso da bactéria Ecoli, na Alemanha, aconteceu por conta de um lote de feijão orgânico contaminado, com 30 mortes e pelo menos 3 mil casos de intoxicação. Se tivesse um bactericida, não teria problema nenhum. É lógico que é um caso isolado, mas que pode acontecer. Já aconteceram outros casos, mas as autoridades agiram rapidamente e tiraram o produto do mercado.
GP – Sendo 1% da produção global, também seria impossível alimentar o mundo apenas com produções orgânicas…
NV – No Brasil também é 1% da produção. O país com maior participação de orgânicos no mercado é a Dinamarca, com 7% apenas do mercado. Isso mostra que é um produto de nicho. Esse discurso de que os orgânicos podem alimentar o mundo é muito bonito, mas é uma falácia. Todo mundo fala que o mercado de orgânicos cresce 30% ao ano, o que é verdade, mas é uma base tão pequena que qualquer crescimento é expressivo. Hoje o mercado de orgânicos representa R$ 2,5 bilhões no Brasil. Só em batata convencional produz R$ 5 bilhões. E quem são os defensores dos orgânicos no Brasil? São celebridades, como o Marcos Palmeira e a Bela Gil, e não médicos ou engenheiros. São pessoas com interesses: o Marcos Palmeira é produtor rural, tem a lojinha dele e vende lá no Leblon, onde vende o quilo de maçã a R$ 23 [o quilo]. No supermercado são R$ 6. É fácil fazer esse discurso tendo o palco indo no Serginho Groismann, na Ana Maria Braga, e todo mundo bate palma. Mas a vida real não é assim.
GP – Apesar disso, podemos falar um pouco sobre os riscos para o agricultor durante a aplicação de agroquímicos em lavouras. Evidentemente é preciso alguns cuidados. Quais são as diferenças e cuidados para o agricultor produzir orgânicos e cultivos tradicionais?
NV – Existe um problema: para o orgânico não existe fiscalização nenhuma. Existem regras deles. Sobre o convencional existe o problema do uso incorreto de educação de base. Você pega grande parte dos produtores que não sabem ler. Não dá para exigir que ele leia a bula, compreenda as medidas e faça o cálculo certo e use o bico [para uso de agroquímico] certo. E veja que menos de 15% dos agricultores usam equipamentos de proteção individual. Esse é um problema gigante porque eles estão assumindo um risco. É preciso lembrar que estão mexendo com produtos químicos. Quando vê algum que mexe com ácido sulfúrico, ele utiliza camiseta e chinelo? Não, ele trabalha paramentado. O agricultor não, justamente pelo defensivo parecer mais amigável que o ácido, ele aplica de chinelo, sem máscara e sem luva. É a mesma coisa que andar sem cinto de segurança no carro.
GP – Como conscientizar essa população?
NV – A partir do governo Collor, o Brasil deixou a extensão rural oficial. É lógico que os estados ainda fazem. Só que antes o Brasil tinha a Embrater (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural). Hoje a gente vê extensão rural sofrendo com falta de recursos, sem técnicos para avaliar todo mundo. São 5 milhões de propriedades rurais e como o Governo não faz mais, quem acaba fazendo são as empresas. Largaram toda essa extensão de campo e orientação na não de pessoas comercialmente interessadas no assunto. Quem vai dar os conselhos ao produtor é o representante da revenda agropecuária, com um agrônomo, e é lógico que ele tem o interesse em vender produtos. Ou ainda está na mão das empresas que vendem defensivos, que têm grandes equipes em campo, e é óbvio que eles também têm o interesse comercial de vender esses produtos para os agricultores.
O passo número um para melhorar é o governo voltar com a extensão rural oficial. O Governo teria a obrigação de fazer a fiscalização para ver se os agricultores estão trabalhando devidamente equipados. Hoje vemos muita mobilização para ver se existe trabalho escravo, para ver se há banheiros adequados, mas eu nunca vi alguém falar se alguém foi fiscalizar o uso do equipamento individual [na agricultura]. Tem de se rever prioridades.
GP – Como a ciência pode colaborar com esses cuidados?
NV – É importante comentar sobre os programas de análises de resíduos. Eles são divulgados de uma forma menos ideológica e mais científica, mas é uma mostra muito pequena dos alimentos. Quem faz o controle são os varejistas, que tem programas de qualidade que garantem a origem dos produtos. Pela amostragem, ele notifica o produtor. Mas esse seria um trabalho do governo. E uma coisa precisa ficar clara: o produtor não usa agroquímicos porque quer, mas no Brasil infelizmente isso não é possível. Seria preciso muita mão de obra intensiva para ‘tirar lagarta na unha’. E o defensivo agrícola representa 30% do custo de produção para o produtor. Se ele precisasse usar, lucraria 30% a mais. No geral, o produtor tenta fazer da melhor forma.