Quem dera fosse mesmo apenas piada a ideia do presidente de prorrogar o programa do carro popular
Em uma reunião com sua equipe de ministros que teria durado mais de nove horas, o presidente Lula da Silva disse que o governo precisa se preparar para prorrogar o programa de descontos para a compra de carros, caminhões e ônibus, que, na avaliação dele, tem sido um “sucesso”. A declaração, segundo o Estadão, teria interrompido o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que fazia um balanço sobre os primeiros resultados do plano.
O tal “sucesso”, segundo Lula, está baseado no fato de que o valor reservado para o plano tem se esvaído mais rapidamente do que se esperava. Em uma semana, 25% do R$ 1,5 bilhão reservado para o programa já teria sido consumido, e a continuar neste ritmo ele teria de ser encerrado em um mês. A declaração de Lula levou o ministro da Casa Civil, Rui Costa, a se apressar para explicar que o presidente teria dito a frase em tom de brincadeira – muito embora ninguém na reunião tenha entendido que se tratava de uma piada.
O histórico dos governos petistas recomenda levar muito a sério o que Lula diz, sobretudo em se tratando do setor que o projetou como liderança política no fim da década de 1970. Brincando pode-se dizer de tudo, até mesmo a verdade, como bem definiu Freud, mas não é preciso ir tão longe para desconfiar das reais intenções do governo a respeito da prorrogação do plano.
O mesmo Rui Costa que contextualizou a declaração de Lula para desfazer expectativas também considera que o programa tem sido um “sucesso”. “Com o pequeno estímulo que o governo deu, o resultado já foi expressivo”, afirmou o ministro. Seria prudente, no entanto, que o governo aguardasse mais tempo antes de fazer uma avaliação concreta sobre o programa.
Sob quais parâmetros o sucesso do programa deveria ser avaliado? Do ponto de vista ambiental, incentivar a compra de veículos de passeio em detrimento do transporte coletivo é um contrassenso, e a inclusão de caminhões e ônibus não passou de um verniz para dar alguma pegada verde ao programa. Enquanto política industrial, as inúmeras tentativas de estimular a indústria automotiva com base em subsídios, exigências de conteúdo local e proteção comercial fracassaram de forma retumbante. Por que funcionariam agora?
Os limites impostos pelo Ministério da Fazenda, como o teto para a renúncia tributária associada ao plano e a antecipação da reoneração do diesel para cobrir o rombo a ser criado pela medida, foram paliativos a reduzir os danos de uma política pública que até agora não disse a que veio, mas que mesmo assim caminha a passos largos para ser renovada.
Mas o pior é que a renovação do programa tem tudo para desfazer o clima favorável à tramitação da reforma tributária pelo Congresso, prejudicando o que talvez seja a melhor oportunidade de aprová-la em 30 anos de debate público. E tudo isso para atender a um setor que sobrevive de ajuda estatal e agradar aos consumidores de maior poder aquisitivo que já comprariam os veículos mesmo sem desconto. É essa a medida de sucesso de Lula?