AGUARDADO DESDE NOVEMBRO DE 2007, quando a Operação Rodin, da Polícia Federal, convulsionou o governo Yeda Crusius (PSDB), o desfecho judicial para a fraude que desviou R$ 44 milhões do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) veio com a condenação de 29 réus e ordem de devolução de R$ 90 milhões aos cofres públicos. A Justiça concluiu que houve uma organização voltada ao desvio de recursos do Detran. Todos poderão recorrer da decisão em liberdade. Entre os condenados, estão o consultor José Fernandes, considerado mentor do esquema, e o empresário Lair Ferst, reconhecido como operador.
Maior escândalo de corrupção do Rio Grande do Sul nos últimos anos, o Caso Detran teve seu primeiro desfecho jurídico com a condenação de 29 pessoas. Deflagrado pela Operação Rodin, da Polícia Federal, o episódio lançou o Estado em uma crise política que se estendeu até 2010, com duas CPIs na Assembleia Legislativa, quedas de secretários estaduais, redes de intrigas, guerra de gravações, paralisia administrativa, envolvimento do então presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e até uma morte.
O esquema fraudulento que funcionou entre 2003 e 2007 surgiu a partir da contratação, sem licitação, da Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência (Fatec), ligada à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), para realizar as provas de aptidão dos candidatos a obter ou renovar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A Fatec repassava a aplicação dos testes teóricos e práticos de direção a empresas terceirizadas, que superfaturavam os serviços e, depois, pagavam propina a dirigentes do Detran.
Emitida na quinta-feira, a sentença integral do juiz Loraci Flores de Lima, de 1.860 folhas, segue em segredo de Justiça por ter, em seu conteúdo, informações sigilosas que constam em outros 12 processos relacionados à Operação Rodin, ação da Polícia Federal que revelou a fraude.
Ontem, a Justiça Federal divulgou o rol dos 29 condenados, listou os crimes praticados por cada um e as respectivas penas. Acusado de ser o mentor do esquema, José Fernandes, sócio da Pensant, recebeu a pena mais alta: 38 anos e sete meses de prisão em regime fechado, condenação que também foi imputada ao seu filho Ferdinando Fernandes.
Entre os nomes ligados ao governo Yeda Crusius, o então presidente do Detran, Flávio Vaz Netto (ex-PP), foi sentenciado a 20 anos e 10 meses em regime fechado, além da cassação da aposentadoria.
Já o empresário Lair Ferst, um dos arrecadadores da campanha de 2006 da ex-governadora, pegou 25 anos e dois meses de prisão. Como a sentença é de primeira instância, todos os condenados poderão recorrer, em liberdade, da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Também foram revelados os nomes dos três acusados que foram absolvidos: Francisco Fraga, Gilson Araújo de Araújo e Lenir Fernandes.
– Houve corrupção, sim. Houve desvio de recursos públicos, sim. O contexto do processo indica isso – afirmou Loraci, magistrado que assumiu o processo, o maior da história da Justiça Federal no Rio Grande do Sul, com mais de 63 mil folhas, somente em 2013, após a transferência da juíza Simone Barbisan Fortes para Florianópolis.
PROCURADOR CRITICA TESE DE CONSPIRAÇÃO
Passados exatos seis anos da denúncia inicial feita pelo Ministério Público Federal (MPF), o Judiciário finaliza o processo após ter inquirido mais de 300 testemunhas.
– Para a Justiça Federal, esse processo é um marco. Foi um desafio. Conseguimos dar andamento perfeito à ação, que chega ao final de forma tranquila e serena – diz Loraci.
Deflagrada ainda no primeiro ano do governo Yeda, a Rodin manteve o Piratini permanentemente em crise política, causando abertura de ações contra líderes de PSDB, PP e PMDB.
Nos 12 processos ainda em tramitação envolvendo a fraude – penais e de improbidade administrativa –, há acusações contra o deputado estadual Frederico Antunes (PP), o ex-deputado estadual Luiz Fernando Záchia (PMDB), a ex-governadora Yeda e o ex-conselheiro do TCE João Luiz Vargas. Retirado de uma ação penal pelo Supremo Tribunal Federal por ter sido investigado sem aval da Corte, o deputado federal José Otávio Germano (PP-RS) ainda responde a uma ação de improbidade administrativa.
O procurador Ivan Cláudio Marx, do Ministério Público Federal (MPF), responsável pela acusação, comentou a sentença.
– Se a Justiça condenou 29 dos 32, quer dizer que, claramente, aceitou a denúncia de que havia uma organização criminosa fraudando o Detran. Caem por terra as argumentações de conspiração que pairaram sobre o caso, principalmente em livros – avaliou o procurador.
E completou:
– Em Santa Maria, as pessoas realmente tinham a visão de que os réus eram vítimas. É importante para a sociedade saber que a Justiça está concordando que houve um crime.
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CARLOS ROLLSING E LEANDRO BELLES