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180 proprietários rurais de São Valério do Sul no risco de terem de devolver suas terras aos indígenas

Marco temporal em julgamento

O marco temporal – uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição – está sendo votado no STF e prestes a ser derrubado. O julgamento foi suspenso dia 31 de agosto quando o placar estava em 4 votos contra o marco e dois a favor, ou seja, faltando apenas mais dois votos para terem essa tese rejeitada. Além de decidir sobre o marco, os ministros discutem a possibilidade de indenização por benfeitorias e pela terra nua para proprietários que receberam do governo essas áreas consideradas indígenas, e que as tenham adquirido de boa-fé. Essa tese da indenização já gerou, durante o julgamento, forte discussão entre Moraes (a favor) e Barroso (contra). Para o ministro Barroso os agricultores devem simplesmente desintrusar, entregar suas terras aos indígenas e saírem de mãos abanando.

A propósito

Qual a diferença em ter que desocupar as terras com ou sem indenização por benfeitorias e pela terra nua? Na minha opinião, a diferença é que sendo obrigados a devolver as terras sem indenização, vai ser desencadeado um conflito sem precedentes entre agricultores e indígenas. Já, se tiver que indenizar, o governo não terá recursos para tal, e os proprietários vão permanecer como estão. Há também uma terceira possibilidade, a meu ver, remota, porém menos traumatizante: Se for decidido pela indenização, o governo efetivamente indenizar os proprietários, e a devolução acontecer sem maiores traumas, pelo menos sem conflitos entre indígenas e agricultores.

 Demarcação histórica

Das 11 áreas indígenas demarcadas no início do século XX, entre os anos de 1910 e 1918, apenas três (Ligeiro, Carreteiro e Guarita) não sofreram alterações – essas alterações eram a redução das áreas indígenas em prol de uma política estadual de criação de florestas nacionais e assentamento de sem-terras. As demais se tornaram um uso emblemático, de uma constante redução das terras indígenas. Conforme dados pesquisados, a área de Cacique Doble teve 22% de área reduzida; Inhacorá, em São Valério do Sul, 82%; Votouro Kaingang 33%; Votouro Guarani 62%; e Nonoai 57%. As áreas de Monte Caseiros, Serrinha e Ventarra foram extintas. Esse processo ocorreu entre 1949 e 1963. A área primitiva do toldo indígena Inhacorá, demarcada em 1911, era de 5.859 hectares. A área destinada aos índios (com as reduções de 1949 a 1963) ficou em 1.054,62 hectares. O ex-governador Leonel Brizola (1959-1962), segundo os pesquisadores, teve papel de destaque quanto à expropriação dos toldos indígenas do Rio Grande do Sul.

O clima é de tensão

Há mais de 15 anos a inquietação vem tomando conta do dia a dia da comunidade do Distrito de Coroados, no município de São Valério do Sul, devido a possibilidade e risco da devolução da área territorial da localidade à comunidade indígena caingang. Isto ocorrendo, aqueles moradores e proprietários terão que deixar suas terras, totalizando cerca de 3.063 hectares que, somados à área indígena já existente, chegaria a 51% do território do município. Na área em questão existem, em números aproximados, 180 propriedades rurais (legalmente escrituradas), perfazendo um total de 1.300 pessoas, 140 casas residenciais, 150 galpões, 35 chiqueiros (pocilgas), 30 estábulos e salas de ordenha, uma escola municipal, um posto de saúde, um estádio de futebol, duas quadras de esportes, igrejas, estabelecimentos comerciais, entre outras. Se acontecer de terem de devolver a área à Funai, o município deixará de produzir anualmente cerca de 70 mil sacas de soja, aproximadamente 80 mil sacas de milho, 50 mil sacas de trigo, e mais de um milhão de litros de leite. Veja só, este é o tamanho do estrago socioeconômico e emocional que a insensatez humana, política e judicial poderá provocar aos nossos irmãos são-valerenses.

Há uma “tábua de salvação”

Sim, na iminência de o STF derrubar o marco temporal e obrigar a devolução de terras aos indígenas, existe ainda uma “tábua de salvação”, que é o Congresso Nacional, onde tramita um projeto sobre o assunto (PL 2.903/23), cuja expectativa é que seja aprovado, eis que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) reúne 50 dos 81 senadores e 324 dos 513 deputados federais, que defende o marco temporal. Os congressistas articulam para que o PL 2.903/23 seja votado antes da conclusão do julgamento no STF. Se a matéria for convertida em lei, o Congresso estará salvando as comunidades atingidas do risco de devolução de suas terras aos indígenas. Porém, essa norma ainda poderá passar pelo crivo do STF para análise da constitucionalidade da lei, que certamente será questionada pelos indígenas e pelos indigenistas. O problema maior é se o STF decidir logo, aí certamente influenciará no texto em curso no Congresso Nacional, eis que deputados e senadores (por razões óbvias) dificilmente vão contrariar decisão do STF.

 

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